O Ministério da Educação, dono de um dos maiores orçamentos do governo
federal, vive uma crise que se arrasta desde a metade de janeiro.
Uma
disputa interna opõe dois grupos que têm visões distintas de como a
pasta deve operar.
O saldo até agora é a demissão de mais de uma dezena
de funcionários de alto escalão, cancelamento de decisões, pedidos de
desculpas, além do risco para a execução de metas e programas
prioritários.
O G1
tenta junto ao MEC desde o começo da gestão entrevistas ou
posicionamentos sobre estratégias, metas e explicações a respeito dos
problemas da área.
Diante de respostas insuficientes ou da falta delas, a
equipe de reportagem ouviu pessoas envolvidas com a pasta, mas que
preferiram manter o anonimato.
Entre as fontes, cujas identidades serão
preservadas, estão pessoas que estiveram na equipe de transição, estão
no atual quadro de funcionários ou foram demitidos recentemente.
O
relato deles responde às seguintes perguntas:
- Qual é o motivo da crise?
- O que quer cada um dos grupos?
- Quais áreas os grupos ocupam no MEC e autarquias?
- Quais são as consequências e riscos dessa divisão?
Veja as respostas abaixo e detalhes na cronologia ao fim do texto:
Qual é o motivo da crise?
Há uma disputa interna na área da educação sobre qual projeto de
governo deve ser implementado.
Os grupos em conflito poderiam ser
chamados de “pragmáticos” e “ideológicos”.
Os "pragmáticos" são os militares, incluindo generais que foram os
primeiros a serem envolvidos na campanha de Bolsonaro.
Este grupo também
inclui ao menos um coronel que tem afinidades com o ministro.
Os "ideológicos" são os seguidores do escritor de direita Olavo de
Carvalho e também ex-alunos do ministro Vélez.
Vale lembrar que o
próprio Vélez foi indicado por Carvalho.
O que quer cada um dos grupos?
Pate da ala militar dentro do MEC pode ser considerada mais pragmática:
parte dela ajudou na elaboração das propostas de campanha de Bolsonaro,
que incluíam a defesa da educação a distância, a criação de colégios militares em capitais e a modernização da gestão na pasta.
Os olavistas chegaram ao staff sobretudo depois da vitória de
Bolsonaro, causando atritos com os que já estavam contribuindo nas
discussões sobre educação desde a campanha.
O principal ponto para esse
grupo “ideológico” é expulsar do MEC qualquer resquício do que chamam de
“marxismo cultural” ou “pensamentos esquerdistas”.
Isso inclui a defesa de projetos como o Escola Sem Partido, revisão de
questões do Enem ou ensino que aborde questões de gênero nas escolas.
De
acordo com as fontes ouvidas pelo G1, o grupo
ideológico também tem restrições à atuação do Conselho Nacional de
Educação (CNE), a implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC)
e a pontos do Plano Nacional de Educação (PNE).
Quais áreas os grupos ocupam no MEC e autarquias?
Os olavistas ocupam cargos sobretudo nas principais posições do MEC,
como a nova Secretaria de Alfabetização (Sealf), enquanto os militares
comandam áreas de órgãos como o Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e o Fundo Nacional para o
Desenvolvimento da Educação (FNDE).
O próprio ministro Ricardo Vélez
Rodrigues é uma indicação de Olavo e, segundo fontes ouvidas pelo G1,
ele foi nomeado sem consulta aos militares.
Outros nomes eram considerados para titular da pasta: Maria Inês Fini,
então presidente do Inep, Mozart Neves Ramos, diretor do Instituto
Ayrton Senna e o professor da FGV Stavros Xanthopoylos, ligado aos
militares da campanha.
As nomeações não se concretizaram porque a ala
olavista considerou os indicados ineptos por uma suposta identificação
com temas de esquerda ou ligação com partidos políticos como PSDB ou
DEM.
Os olavistas ocuparam ainda cargos de diretores de programas ou
assessores especiais ligados diretamente ao ministro ou à
Secretaria-Executiva.
Já os indicados ligados aos generais ficaram sobretudo à frente do
Inep, da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) e do FNDE.
Entretanto, um militar que ganhou a confiança de Vélez durante a
transição (o coronel Ricardo Wagner Roquetti, que foi pró-reitor do
Instituto Tecnológico de Aeronáutica) ganhou cargo na
secretaria-executiva e, a partir dele, se consolidou a nomeação de uma
série de nomes com perfis pragmáticos, alguns deles com trajetória no
universo da educação técnica paulista.
Quais são as consequências e riscos dessa divisão?
Na prática, o racha já provocou uma série de decisões revogadas e
demissões dentro da pasta.
Mais de 10 pessoas já foram demitidas e
posições importantes dentro da pasta e do Inep estão vagas.
A disputa também pode afetar programas importantes, como o Exame
Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2019.
Apesar de ser aplicado apenas
em novembro, a prova é pensada durante todo o ano: o cronograma estipula
que as provas já estejam prontas para o envio às gráficas no início de
maio.
A educação básica e a implementação da Base Nacional Comum Curricular
(BNCC) também são áreas que, apesar de não serem de oferta direta do
MEC, podem sofrer com a persistência da crise dentro do ministério, já
que as redes estaduais e municipais dependem da articulação com o
governo federal para tirar do papel os programas que precisam ser
executados dentro das escolas.
Entenda quem são os citados no texto.
Ricardo Vélez Rodriguez –
atual ministro da Educação; nasceu na Colômbia e naturalizou-se
brasileiro em 1997, é autor de mais de 30 obras e é professor emérito da
Escola de Comando do Estado Maior do Exército
Olavo de Carvalho – escritor de direita, é apontado como um dos influenciadores do governo Bolsonaro
Maria Inês Fini –
ex-presidente do Inep; foi nomeada durante a gestão Michel Temer e
exonerada por Vélez; já havia trabalhado no Inep na gestão de Fernando
Henrique Cardoso, e foi uma das idealizadoras do Enem
Mozart Neves Ramos -
diretor do Instituto Ayrton Senna; chegou a ser citado como
ministeriável, e atualmente é conselheiro do Conselho Nacional de
Educação
Stavros Xanthopoylos -
professor da FGV, participou da equipe de elaboração do programa de
campanha de Bolsonaro para a educação; é especialista e entusiasta da
educação a distância