Dona de uma fazenda de 200 hectares, Evanete Perez comanda os negócios com organização e criatividade.
Para se ter ideia, dos 161 associados da cooperativa dos cafeicultores de Araguari, apenas dois são mulheres.
Evanete Perez é uma delas. Todo dia ela troca a sapatilhas por botas para vistoriar lavouras, acompanhar a colheita e o processo de secagem e beneficiamento do café. Uma vida completamente diferente da que tinha há 20 anos, quando morava e trabalhava no Rio de Janeiro.
“Minha formação é Comunicação Social com habilitação em propaganda e depois pós-graduação de administração de empresas. Eu nasci no café. Minha família tem 100 anos de café. Meu pai sempre foi cafeicultor.
Ele nos sustentou e nos formou com o café”, conta.
No Rio, Evanete trabalhava como executiva de uma empresa multinacional da área de saúde, mas um acontecimento bem traumático, fez com que ela decidisse mudar de vida: “Nós tivemos um assalto muito violento e a partir daí decidimos que íamos sair do Rio. O meu pai resolveu fazer campanha pra que a gente mudasse pro cerrado mineiro. Eu vim sem nenhuma intenção de trabalhar com café, mas meu pai pegou uma fazenda de café, botou no meu colo e disse: toma q o filho é seu e você tem cinco anos pra aprender. Faz 22 que eu tô tentando...”, brinca.
Evanete levou para o campo a experiência que adquiriu na gestão de negócios. Resolveu modernizar a administração da fazenda e adotar novas tecnologias. A primeira decisão: certificar a fazenda:
“Ter uma fazenda certificada significa cumprir todas as leis vigentes no país, tanto social, como ambiental como agronômica”, explica.
A certificação é feita por empresas internacionais, que fiscalizam a propriedade e concedem selos comprovando para o mercado, que o café é produzido de acordo com as normas. “A diferença é quatro a cinco dólares a mais por saca”, declara.
O dinheiro ganho a mais pela certificação é revertido em benefícios para os funcionários. Nove famílias moram na fazenda. Como a do Ozival Bomfim, gerente da propriedade, que vive com a mulher Daniela e a filha Gabriela.
“Desde que nós começamos com a certificação, nós começamos este programa. Nós reformamos, em média, duas casas por ano, de trocar piso, banheiro, pintar de novo, deixar as casas bonitinhas. Eu acho que o funcionário se sente muito mais valorizado assim e acho que pra você trabalhar bem, você tem que viver bem”, conta.
A certificação também trouxe ganhos na gestão da fazenda, porque exige o uso racional e controlado de insumos, como agrotóxicos, adubos e até da água que irriga o cafezal. Por isso, Evanete implantou um sistema de irrigação por gotejo.
“O gotejo é um uso mais racional de água. Essa fazenda já teve pivô central, e você tem dificuldade pela quantidade de água que ele joga de uma vez só”, diz.
O gerenciamento de tudo o que é feito na fazenda é controlado por um programa de computador, como explica Gustavo Mantovani, auxiliar administrativo da empresa. “Eu faço o registro de aplicação, pulverização na lavoura, adubação, controle de pessoal, funcionário, e no software também, quando é época de colheita eu cuido da parte de rastreabilidade do café para certificação”.
Com o programa dá para saber de onde saiu cada grão de café colhido na fazenda.
Mais ainda: que tratamentos ele recebeu no campo, a forma como foi seco e beneficiado.
Assim, é possível rastrear o café. Da lavoura à prateleira do supermercado.
As informações de cada lote de café viram plaquinhas, espalhadas pelo terreiro. “Qualquer funcionário da fazenda sabe quando ele foi colhido.
Vai ali e olha. De que lote é, que café é, se pode misturar se não pode misturar. Tá escrito na plaquinha.
Tem no computador, mas a gente faz no papel pra que todos possam saber”, diz Evanete.
Hoje, o maior investimento da fazenda está na qualidade do café. Um trabalho feito em parceria com institutos de pesquisa e entidades de classe.
Evanete cedeu uma área de 1,5 hectare para Associação dos Cafeicultores de Araguari, para implantar o que se chama de um banco de germoplasma.
É um campo experimental que tem 81 variedades diferentes de café.
As sementes vindas de diversas partes do mundo foram plantadas no pior solo da fazenda: “O que for bem aqui, vai bem em qualquer lugar deste cerrado.
Estamos testando como essa planta se comporta numa região como essa, se ela tem boa produtividade, se suporta altas temperaturas, se ela suporta o solo daqui”, explica Evanete.
E é fácil perceber que algumas variedades têm mais potencial. Vinte e duas delas já foram selecionadas e multiplicadas para testes de produtividade e qualidade.
A avaliação final será feita daqui a quatro anos, depois da terceira colheita.
“Como é que a gente vive sem tecnologia no mundo de hoje? As coisas mudam numa rapidez incrível. Difícil é acompanhar as mudanças.
A gente tenta, na medida do possível, adquirir novas máquinas, novos equipamentos, eu tenho bons consultores agronômicos, pra que a gente possa tratar nossa lavoura como deve ser tratada e dentro do melhor possível em matéria de tecnologia”, declara Evanete.
Entre as novidades tecnológicas está uma colhedora para o chamado café de varrição, aquele que cai no chão. Ela não deixa nada pra trás... Reduzindo perdas e colocando mais dinheiro na conta da fazenda.
O cuidado no manejo permite que a Evanete invista na produção de cafés especiais. Grãos que precisam alcançar, pelo menos, 80 pontos numa escala de avaliação que vai até 100.
Outro teste que está sendo feito na fazenda é deixar o café amontoado no meio do terreiro e na sombra. O contrário do que se preconiza. Geralmente, o café seca espalhado e com muito sol em cima. “A ideia era criar um café exótico.
Um café diferente do tradicional, do bom café do cerrado mineiro. O que se propõe é uma fermentação controlada, que vai dar mais acidez, mais doçura, vai acrescentar alguns valores no café, que seco no modo tradicional, lá no terrerão, não aconteceria”, diz.
Hoje, a fazenda produz cerca de dez mil sacas de café por ano: 65% são do chamado café comoditie, para exportação; 20% são de bebida inferior e 15% já são de café especiais, vendidos dentro e fora do país, com preços bem mais altos.
“É um jogo de cacife altíssimo. E o cafeicultor está acostumado a investir muito.
Aí quando você resolve ser cafeicultor de qualidade, você não pode ter dó de investimento”, declara.
Em parceria com três produtores da região, Evanete montou uma torrefação artesanal só para os cafés especiais.
Quem cuida da empresa é o primo dela, Renato Domingues, que também é mestre de torra.
“Em média, por ano, a gente torra 300 a 350 sacas de café. Vendemos para o cliente final e para cafeterias no Brasil todo”, explica.
Para quem não entendia nada de café, Evanete se saiu muito bem. Hoje ela exerce papel de liderança no setor, é diretora da cooperativa de Araguari.
“Represento a cooperativa em todos os eventos de cafeicultura, como feira internacional, seminários de café, festas de café em geral.
É minha função específica na cooperativa, receber todos os nossos visitantes”, diz.
Sobre ser uma mulher no comando dos negócios, os homens que trabalham na fazenda dizem: “Com chefe homem a gente tem um pouquinho mais de liberdade.
Agora com a dona Evanete, ela é uma pessoa boa de trabalhar com ela, só que ela gosta da perfeição, das coisas bem-feitas, ela é bem exigente.
Gosta de tudo no seu lugar e bem feito”, afirma Samuel Postigo, tratorista.
“Eu uso aqui tudo o que eu aprendi em gestão.
É uma empresa a céu aberto, com variáveis incontroláveis, com desafios inimagináveis, num mundo masculino, mas hoje eu diria para você que tô plenamente satisfeita.
Consegui mais do que eu esperava. Tudo o que eu usava no Rio de Janeiro eu uso aqui, menos o salto alto e o tailleur”, brinca.
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