Corte Interamericana de Direitos Humanos determinou que os fatos ocorridos contra o jornalista, morto na ditadura, devem ser considerados como crime contra a humanidade.
Por Vivian Reis , G1 SP
O Ministério Público Federal de São Paulo (MPF-SP) reabriu as
investigações do caso Vladimir Herzog, jornalista torturado e morto em
1975, aos 38 anos.
O inquérito foi retomado depois que a Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos condenou o Estado brasileiro no caso.
O inquérito foi retomado depois que a Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos condenou o Estado brasileiro no caso.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos, com sede na Costa Rica, faz
parte da Organização dos Estados Americanos (OEA) e suas resoluções são
de acatamento obrigatório para os países que reconheceram sua
jurisprudência.
Na tarde desta segunda-feira (30), procuradores da República,
integrantes do Centro de Justiça e Direito Internacional (Cejil),
Clarice e Ivo Herzog, realizaram uma coletiva na sede da TV Cultura,
onde o jornalista foi diretor, para explicar o processo debatido na
Corte e as tentativas jurídicas recorridas pela família por Justiça
desde o crime.
"Essa sentença é histórica porque a Corte considerou que a ditadura
militar no Brasil ocorreu dentro de um contexto de crime contra a
humanidade.
Isso coloca o Brasil em um lugar onde só outros sete países
do continente tiveram sentenças similares.
Não é simples.
Para comprovar
isso foi bastante delicado, são requisitos específicos, explícitos e
restritos", disse Beatriz Affonso, cientista política e diretora do
Cejil.
De acordo com o procurador Sergio Suiama, convidado pelo Cejil para
atuar como perito na Corte, o MPF-SP reabriu as investigações depois que
o tribunal internacional determinou que os fatos ocorridos contra o
jornalista foram um crime contra a humanidade.
"Esta sentença da Corte Interamericana não é uma recomendação, não é um
parecer, não é uma sugestão, não é um pedido.
É uma determinação
judicial de um orgão jurisdicional ao qual o Brasil está vinculado e o
Ministério Público Federal de São Paulo tem feito a sua parte - o caso
Herzog foi reaberto.
Há uma investigação atualmente em andamento.
Agora
esperamos que o Judiciário tenha uma nova postura em relação aos casos,
uma vez que a maior parte deles está paralisada por ordens de diversas
instâncias do Poder Judiciário", disse.
"Esse caso é atípico em relação aos outros que envolveram mortos e
desaparecidos porque houve um inquérito militar, ainda que tenha sido
montado uma farsa de modo que parecesse suicídio.
Houve um inquérito
para justificar o que houve, ou seja, deixaram rastros que facilitam o
trabalho do Ministério Público", disse o procurador.
A reabertura só foi possível porque o caso foi catalogado dessa forma -
crime contra a humanidade.
Assim, a Corte determina que o Estado não
invoque nem a existência da prescrição, nem a aplicação do princípio da
lei de anistia para evitar a investigação e punição dos responsáveis
pelos crimes contra Herzog.
Os documentos do caso estavam em Brasília e o inquérito estava suspenso
a pedido do MPF-SP, aguardava a decisão da Corte Interamericana sobre o
caso.
Como saiu a condenação, a documentação foi enviada para São
Paulo, onde a procuradora responsável pelo caso, vai instaurar
formalmente o novo procedimento investigatório criminal (PIC,
investigação feita pelo MP, sem polícia) para apurar o caso.
Crime internacional
Os crimes mais graves que o Direito.
Internacional considera, segundo a
convenção de Genebra são: crimes contra a humanidade, o genocídio e os
crimes de guerra.
Esses crimes não devem ficar impunes e não se submetem
à Lei de Anistia, normas de prescrição etc.
No caso da ditadura no Brasil, os crimes são considerados contra a
humanidade por ter configurado perseguição sistemática do Estado contra
seus próprios cidadãos.
A sentença da Corte, de acordo com a cientista Beatriz Affonso, não se
restringe a Vladimir Herzog.
"A Corte entendeu que todas as violações
praticadas pelos militares e civis a mando da ditadura militar de 1964 a
1985 ocorreram nesse contexto de crime contra a humanidade.
A dúvida do
conceito já não está sobre a mesa", disse.
"De uma forma bastante importante a se compartilhar, a defesa do Estado
organizada pela Advocacia Geral da União (AGU), utilizou ainda, no
âmbito da Comissão Interamericana, o atestado de óbito como recurso de
defesa, aviltando a possibilidade de suicídio ainda em 2013.
Foi
bastante impactante para todos nós que o Estado tenha utilizado isso
como defesa, ainda que tivesse reconhecido que a responsabilidade era
dele", continuou.
Após a decisão o ministério dos Direitos Humanos se comprometeu a
aprimorar as investigações.
"Consideramos que a sentença da Corte IDH,
ainda que condenatória ao Estado brasileiro, representa uma oportunidade
para reforçar e aprimorar a política nacional de enfrentamento à
tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes, assim como
em relação à investigação, processamento e punição dos responsáveis
pelo delito", diz nota do ministério.
DOI/CODI
O caso remonta a 24 de outubro de 1975, quando Vladimir Herzog, de 38
anos, se apresentou para depor voluntariamente diante das autoridades
militares do DOI/CODI de São Paulo.
No entanto, o jornalista foi preso,
interrogado, torturado e assassinado em um contexto sistemático e
generalizado de ataques contra a população civil considerada "opositora"
à ditadura brasileira, e, em particular, contra jornalistas e membros
do Partido Comunista Brasileiro, segundo o processo.
O Exército determinou a abertura de um inquérito militar, ainda durante
a ditadura, conduzido pelas próprias Forças Armadas.
As autoridades da
época informaram que se tratou de um suicídio, uma versão contestada
pela família do jornalista e no processo.
No ano seguinte, em 1976, os familiares apresentaram uma ação civil na
Justiça Federal que desmentiu a versão do suicídio e, sim decorrente de
torturas e homicídio.
Em 1978, no início das discussões da Lei de
Anistia, o Estado reconheceu não houve suicídio, mas homicídio.
Foi
determinado que fosse instaurada uma investigação criminal, mas o
Ministério Público à época não instaurou.
Em 1992, a revista Isto É Senhor publicou uma entrevista com um dos
agentes da repressão que declarava ter sido o interrogador de Vladimir
Herzog.
O Ministério Público do Estado de São Paulo requisitou uma
investigação policial em esfera estadual, mas o Tribunal de Justiça
considerou que a Lei de Anistia era um obstáculo para investigar.
Em 2007, o assunto começou a ser reexaminado sob a ótica do Direito
Internacional, de crimes contra a humanidade, que invalidava a decisão
em nível estadual, de arquivar o processo.
Em 2008, contudo, o caso foi
arquivado por prescrição.
Está é a quarta tentativa que a família empreende por Justiça.
No marco
do procedimento diante da CorteIDH, o Brasil reconheceu que a conduta
estatal de prisão arbitrária, tortura e morte de Vladimir Herzog tinha
causado aos familiares uma severa dor, reconhecendo sua
responsabilidade.
O tribunal internacional ordenou ao Estado brasileiro que reinicie, com
a devida diligência, a investigação e processo penal que corresponda
pelos fatos ocorridos em 25 de outubro de 1975 para identificar,
processar e, no seu caso, sancionar os responsáveis pela tortura e
assassinato de Vladimir Herzog.
Além disso, deve adotar as medidas mais idôneas para que se reconheça a
imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade e crimes
internacionais, assim como pagar os danos materiais, imateriais e
despesas judiciais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário