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quarta-feira, setembro 04, 2019
‘Absurda injustiça’: a dor de ver o irmão chicoteado dentro de um mercado
03/09/19 por Arthur Stabile, Daniel Arroyo e Maria Teresa Cruz
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Wagner
sai em defesa do irmão: ‘Não importa se ele cometeu erro, o que fizeram
foi injustiça’ | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo.Delegado Pedro Luis Sousa: ‘Em 42 anos de polícia nunca vi nada parecido’ | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo.
Fachada da unidade do Ricoy localizada na Avenida Yervant Kissajikian | Foto: Daniel Arroyo/Ponte JornalismoAdolescente
de 17 anos ficou assustado com repercussão do caso: ‘me ameaçaram de
morte enquanto me batiam’ | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo
‘Me ameaçaram de morte’, diz adolescente de 17 anos agredido nu e
filmado em supermercado de SP; ele perdeu o pai há 5 anos e passou a
viver na rua.
E., 17 anos, está assustado diante de tantos gravadores, microfones e
câmeras.
Em frente ao 80º DP, na Vila Joaniza, zona sul de São Paulo,
ele esboça em poucas palavras o sofrimento
que passou dentro de uma unidade da rede de supermercados Ricoy,
localizado na Avenida Yervant Kissajikian.
O adolescente foi pego
tentando furtar um chocolate e dois seguranças o levaram para uma sala
dos fundos do estabelecimento, o deixaram nu, amarraram suas mãos e o
agrediram com chibatadas.
A cena foi gravada e disseminada pelo
Whatsapp.
A vítima não sabe precisar a data do ocorrido, apenas que
aconteceu em julho.
“Me levaram a força, amarraram meu braço, me bateram de chicote,
colocaram um negócio na minha boca”, conta o jovem.
“Me ameaçaram de
morte.
Diziam que se eu contasse aquilo para alguém, iriam me matar”,
disse.
O adolescente também afirmou que os mesmo seguranças já teriam
agredido ele outras duas vezes.
O delegado que investiga o caso, Pedro Luís de Sousa, define o caso
como “uma barbárie.
Remonta aos tempos da escravidão.
É inadmissível.
Nunca vi nada parecido com isso em 42 anos de polícia”.
Ele afirmou à Ponte
que impressiona o fato de que, mesmo após semanas da agressão, as
marcas persistem e são visíveis.
“As marcas são muito peculiares,
condizem com chibatadas, mesmo depois de um longo período, mas não temos
exatamente a data”, declarou Sousa.
Os agressores foram identificados como Valdir Bispo dos Santos, o
Santos, e David Oliveira Fernandes, o Neto.
Ambos são terceirizados, mas
a rede de supermercados se negou a dizer o nome da empresa quando
questionada pela Ponte.
Na saída da delegacia, o
gerente da unidade do supermercado Ricoy não fez qualquer declaração à
imprensa.
A vítima afirmou que quem cometeu as agressões foi Santos e
quem gravou com o celular foi Neto.
De família evangélica e pobre, E. saiu de casa aos 12 anos depois que
o pai morreu em um incêndio no barraco onde viviam.
Sua mãe tem
problemas com alcoolismo, fato que o fez não ter o auxílio necessário
desde a morte do pai.
Além deve, são outros sete filhos do casal.
Na
visão de um dos irmãos, Wagner Bispo de Oliveira, 30 anos, isso
desestabilizou bastante o adolescente, que acabou indo para a rua e
passou a usar drogas.
“Eu estava tentando dar um jeito de sustentar ele.
Não somos ladrão,
olha minhas mãos, mãos de trabalhador, nunca tive passagem na polícia”,
declarou à imprensa na tarde desta terça-feira (3/9), em frente à
delegacia.
Para Wagner, o que aconteceu foi uma covardia.
“O erro dele
não justifica o que foi feito.
A população no bairro está toda injuriada
com isso que aconteceu.
Foi o cúmulo do absurdo, uma injustiça o que
aconteceu com meu irmão”, declarou.
A intenção do irmão é conseguir um tratamento da dependência química
de E. no CAPS (Centro de Apoio Psicossocial).
O adolescente foi
encontrado em uma região bem próxima do supermercado conhecida chamada
de “cracolândia” pela venda e uso de drogas.
“Vou cuidar dele, vou levar ele para morar comigo.
Eu tenho certeza
que se ele voltar para lá ele vai sumir, vai acontecer algo pior com
ele.
Ele sempre foi uma boa pessoa.
Infelizmente as amizades dele não
eram legais.
O menino está jogado por aí.
Ninguém quer saber dele, a mãe
não quer saber dele.
Se não vem alguém da família para tomar uma
atitude, ele tava largado “, desabafou.
“No Brasil existe uma lei ainda e é a lei do trabalhador.
Se eu não
sou ladrão, se eu não roubei, não trafiquei, nesse país aqui, no Brasil,
eu tenho meus direitos.
Pode ser pouco, mas ainda existe.
A gente vai
lutar pela lei, pela justiça”.
O delegado Pedro Luís Sousa conta que tomou contato com a história ao
receber o vídeo pelo Whatsapp.
“Perguntou se eu estava sabendo do que
aconteceu.
Fui informado que era um supermercado da Vila Joaniza e
então, por considerar algo muito grave, fomos atrás dele”, relatou.
“Eu
estava com a minha filha do lado quando vi o vídeo e ela disse: ‘pai,
que horror’.
É um absurdo.
Ele estava com muito medo, não queria ir até a
delegacia.
Nós conseguimos achar ele na comunidade ao lado do
supermercado”, disse.
Após a ida de E. e seu irmão à delegacia, eles e a mãe do garoto,
Josefa de Oliveira, foram atendidos por conselheiros tutelares da área
da Cidade Ademar, a qual a Vila Missionária faz parte.
Os profissionais
marcaram atendimento para a próxima quinta-feira (5/9).
O caso tomou grandes proporções e algumas figuras públicas como a
deputada estadual Erica Malunguinho, o coordenador do MTST, Guilherme
Boulos, e a historiadora Suzane Jardim, usaram as contas do Twitter para
manifestar repúdio e comentar o ocorrido.
A Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP também manifestou em nota
oficial no Facebook indignação com relação ao caso que chamou de sessão
de tortura.
“A brutalidade e perversidade da tortura no Supermercado
Ricoy, obriga a CDH/OAB-SP a expressar nossa extrema preocupação com a
escalada de agressões cada vez graves a direitos fundamentais dos
cidadãos e cidadãs brasileiros.
A sociedade brasileira não aceitará a
continuidade dessa barbárie crescente.
Isso não vai continuar”, diz
trecho da nota.
O sentimento era de revolta no entorno do supermercado Ricoy da
Avenida Yervant Kissajikian.
Comerciantes locais condenavam a atitude do
segurança em torturar o garoto, como definiram.
“Foi uma covardia.
O
garoto mora aqui do lado.
Pode ter feito o que fez, mas nada libera o
que foi feito.
É inadmissível”, disse um vendedor ambulante em conversa
com o a Ponte, solicitando anonimato.
Um segurança que comia em uma barraca distante 20 metros do
estabelecimento criticou a ação de um homem que cumpre a mesma função do
que ele.
“Eu sou pai, coloquei como se fosse meu filho no lugar.
É uma
barbárie.
Voltamos para esses tempos.
Só lembro de algo similar 200 anos
atrás quando negros eram escravizados.
Nada justifica a tortura, nada”,
lamentou o homem, que cobrou explicações do presidente Jair Bolsonaro
(PSL).
“Tem que mostrar para o presidente, para o [Sérgio] Moro
[ministro da Justiça e Segurança Pública].
Precisa ser feito algo.
Votei
nele para que as coisas mudassem, mas estou me arrependendo.
Tudo só
piora”, lamentou.
A rede de supermercados Ricoy enviou uma nota à Ponte
no início da tarde afirmando que a empresa “repugna esta atitude e foi
com indignação que tomou conhecimento dos fatos por intermédio da
reportagem.
A empresa não coaduna com nenhum tipo de ilegalidade e
colaborará com as autoridades competentes envolvidas na apuração do
caso, a fim de tomar as providências cabíveis”.
A empresa informa que os
funcionários não são mais prestadores de serviço do local.
Em seu site, destaca que são 50 lojas que compõem a rede e que em
cada unidade é possível encontrar uma “infraestrutura completa e
preparada oferecer o que você mais merece: o respeito”.
Por volta das 18h desta terça-feira (3/9), a rede de supermercados
Ricoy enviou uma nova nota à imprensa.
“Ficamos chocados com o conteúdo
de uma tortura gratuita e sem sentido em cima do adolescente vítima.
O
Ricoy desde sua fundação na década de 1970 exerce os princípios mais
rígidos de valorização do ser humano, seja em nossas lojas ou em nossa
comunidade.
Ficamos muito abalados com a notícia que nos causou repulsa
imediata”, diz trecho da nota, que confirma que os funcionários
envolvidos na agressão não são mais prestadores de serviço da rede e que
eram de uma empresa terceirizada.
“O Ricoy já disponibilizou uma assistente social para conversar com a
vítima e a família.
Daremos todo o suporte que for necessário”,
finaliza. (*) A Ponte Jornalismo divulga o vídeo com as agressões ao
jovem por considerar que seu conteúdo é relevante.
A reportagem esteve
no local da violência, falou com o jovem agredido e seus familiares e
todos apoiaram a publicação das imagens como forma de denunciar a
violência e lutar por justiça.
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