Investigações da Polícia Civil e do Ministério Público e processos na Justiça mostram as aplicações dos investigados de integrarem milícias no RJ.
Por Felipe Grandin, Henrique Coelho, Marco Antônio Martins e Nicolás Satriano
Joias, carros de luxo e fazendas.
O ganho obtido por milicianos com a
exploração de serviços em comunidades da Região Metropolitana do Rio de
Janeiro está sendo investido em regiões bem distantes das favelas
dominadas por este grupo.
É o que mostram investigações da Polícia
Civil, do Ministério Público estadual e processos na Justiça do RJ aos
quais o G1 teve acesso.
A quarta reportagem da série Franquia do Crime mostra que um chefe de
milícia foi preso com R$ 56 mil em joias.
Outro homem apontado por
agentes como sendo um chefe miliciano comprou uma fazenda de um político
da Região Serrana do RJ.
No local, ele tinha até animais exóticos.
A fazenda foi descoberta após um trabalho conjunto entre a Delegacia de
Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco) e o Laboratório de
Lavagem de Dinheiro da Polícia Civil do Rio de Janeiro.
No inquérito,
policiais apuram a compra de uma fazenda em Sapucaia, no Norte
Fluminense, por Marco Figueiredo, conhecido como Marcos Catiri,
investigado por chefiar uma milícia na Zona Oeste do Rio.
Atualmente, Catiri figura como acusado em dois processos: um por
organização criminosa na Vara Criminal de Bangu, e outro por posse de
arma e receptação no juízo criminal de Sapucaia.
Ele responde em
liberdade.
De acordo com policiais, Catiri comprou a fazenda que já pertenceu a um
ex-prefeito de Teresópolis.
O político não é investigado pela Polícia
Civil.
Os investigadores querem entender a intermediação de um
empresário da Baixada Fluminense no negócio.
Em operação no local, os
policiais encontraram emus (uma ave exótica), araras, avestruzes,
cavalos de raça e um lago com pedalinho.
No interior da casa, também foi encontrada uma escopeta de fabricação
turca e um colete à prova de balas.
Atualmente a propriedade está
lacrada.
Policiais da Draco investigam se a fazenda foi comprada com
dinheiro adquirido com extorsões a moradores de comunidades.
Os
investigadores já descobriram que a quadrilha cobra R$ 1 mil por semana
de motoristas de vans que circulam no bairro de Bangu, na Zona Oeste do
Rio.
Em uma ação de busca e apreensão, os policiais apreenderam anotações
numa cooperativa de vans de Bangu.
Na documentação, há a comprovação de
que o pagamento do aluguel de um apartamento no condomínio Ocean Front,
na Barra da Tijuca, era feito pela cooperativa.
Para os policiais, isso
indica influência de Marquinho no transporte.
Mais de R$ 56 mil em joias
Em 24 de fevereiro deste ano, policiais da Delegacia de Atendimento à
Mulher (Deam) de Niterói prenderam Horácio Souza Carvalho, apontado como
um dos chefes da milícia da Praça Seca, na Zona Oeste do Rio.
A região
ganhou a atenção de autoridades da Segurança Pública do RJ porque, desde
dezembro, vem sendo alvo de disputa entre milicianos diariamente.
De acordo com investigações da Draco, a milícia local "rachou" levando a
confrontos quase que diários.
Segundo policiais que prenderam Horácio,
no momento da prisão, ele ofereceu dinheiro para ser libertado.
Preso
por formação de quadrilha, corrupção ativa e organização criminosa, o
criminoso foi encontrado em um apartamento na Barra da Tijuca.
As joias que usava foram apreendidas e encaminhadas ao Instituto de
Criminalística Carlos Éboli (ICCE).
Uma perícia preliminar avaliou o
cordão de ouro que Horácio usava em R$ 40 mil.
Cada anel que ele usava
custa R$ 8 mil.
Camaro e mala com R$ 180 mil
Há um ano, policiais da Draco prenderam Cleber de Oliveira Silva,
chamado de Clebinho, que pertenceria a uma milícia instalada em Santa
Cruz.
O criminoso estava em um apartamento na Avenida Lúcio Costa, na
Barra da Tijuca.
Na garagem, os policiais encontraram um Camaro, avaliado em R$ 150 mil.
Ao revistarem o veículo, os investigadores encontraram uma mala com R$
180 mil em dinheiro.
Em um processo que transita pela 42ª Vara Criminal, o Ministério
Público estadual pede o perdimento do valor e venda dos veículos – ainda
foi apreendida uma Hilux na operação – em favor do Estado do RJ.
As investigações apontam que Clebinho usou um "laranja" para adquirir o
veículo.
Em sua defesa, ele alega ser dono de um posto de gasolina, mas
a polícia descobriu que o local não está no nome de Clebinho.
Uma
perícia do ICCE no apartamento encontrou ainda R$ 180 mil em joias.
Exploração de areia
Investigações da Polícia Civil e do Ministério Público estadual mostram
que uma das maiores milícias do Rio investe na exploração de saibro.
O
empresário responsável pelo negócio é Luís Antônio da Silva Braga, irmão
de Wellington da Silva Braga, o Ecko, procurado por chefiar a milícia
com influência em Campo Grande, Paciência, Santa Cruz, Cosmos e
Inhoaíba.
Ecko assumiu o grupo após a morte de outro irmão, Carlos da Silva
Braga, o Carlinhos Três Pontes.
De acordo com promotores do Ministério
Público, Luiz Antonio é o sócio da Macla Extração e Comércio de Saibro.
Luiz Antonio foi preso pela Draco em 2015 acompanhado por dois
seguranças – um deles policial militar.
O empresário acabou liberado no
Plantão Judiciário.
Em depoimento no Ministério Público, um miliciano, preso em 2016, que
não teve o nome divulgado, apontou a extração de areia e saibro como uma
das atividades mais rentáveis do grupo.
A empresa de extração de saibro
fica no bairro Jardim das Acácias, em Seropédica, justamente uma das
localidades onde a milícia se instalou no município.
No depoimento, o miliciano citou ainda que a milícia de Campo Grande
seria proprietária de um depósito de gás e de uma loja de venda de
baterias para carro.
Os métodos de cobrança de comerciantes e a organização dos grupos são
bastante parecidas – tanto nas "franquias", como são chamadas as
milícias oriundas da antiga Liga da Justiça, quanto na matriz,
principalmente na Zona Oeste.
Os cadernos de cobrança apreendidos pela
Polícia Civil e pelo Ministério Público, respectivamente em Campo Grande
e Seropédica, revelam o nível de organização e os lucros da facção
criminosa.
Em Campo Grande, a 35ª DP, quando prendeu Alexsandro Bruno da
Conceição, de 36 anos, apreendeu livros de cobranças de duas ruas de
Campo Grande: as estradas da Cachamorra e do Moinho.
As duas ficam a 3,2
km uma da outra.
Nas cobranças da Estrada da Cachamorra há 83 estabelecimentos, de
borracheiros a bares.
Esse comércio rende à milícia de Campo Grande um
valor semanal de R$ 2.435.
Na estrada do Moinho, nada muito diferente: são, pelo menos, R$ 2.595
por semana, de vários estabelecimentos.
Alguns, como uma loja de
material de construção e um mercado, pagam R$ 250 aos milicianos de
"taxa de segurança".
No Km 40, em Seropédica, o material utilizado é mais antigo: um
caderno, apreendido pelo MP, tem como data das apreensões o dia 3 de
outubro de 2016.
Do lado esquerdo da BR-465, antiga Rio-São Paulo, em um
dos cadernos, calculava-se R$ 2.630 de arrecadação para os milicianos a
cada semana.
Do lado direito, em apenas uma das páginas do caderno de
cobranças, a via registrava mais R$ 1.350.
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