Ex-assessor de campanha do presidente revelou contato com a Rússia e pode ter feito acordo para colaborar com a Justiça americana em apurações
Homens próximos a políticos envolvidos em atos ilegais são descobertos
pela Polícia Federal e confessam seus crimes.
Em troca de penas mais
brandas, prometem entregar parceiros e ajudar a Justiça em outras
investigações.
O acerto pode envolver encontros forjados e gravações com
suspeitos.
As revelações podem colocar o futuro do presidente da
República e de seus principais auxiliares em risco.
Soa familiar?
Então substitua Lucio Funaro por George Papadopoulos e
Michel Temer por Donald Trump: esse enredo se passa nos Estados Unidos,
onde um acordo recém-assinado entre investigadores e um ex-assessor de
campanha promete revelar detalhes importantes sobre um suposto conluio
entre o atual presidente americano e o governo da Rússia para derrotar
Hillary Clinton, sua rival nas eleições de 2016.
Depois de mentir para o FBI sobre seus contatos com russos
durante o pleito do ano passado, Papadopoulos, um ex-assessor de 30
anos, pouco conhecido pelo público americano, confessou que conversou
com diversas pessoas próximas a Vladmir Putin enquanto trabalhava para a
campanha de Trump.
Em troca do relaxamento de suas penas, ele reconheceu que, entre março e
junho de 2016, ele conversou pelo menos 11 vezes com outros poderosos
da equipe de Trump para tentar articular uma reunião entre o então
candidato republicano e o presidente russo.
A insistência teria sido motivada pela promessa de uma fonte no
Kremlin, que queria compartilhar com Trump informações que comprovariam
atos "sujos" de Hillary Clinton - e só se aproximou de Papadopoulos após
saber que ele trabalhava na campanha.
As revelações se tornaram os indícios mais consistentes sobre uma
possível conspiração russa na corrida eleitoral e despertaram
preocupação no núcleo do governo.
Pessoas próximas a Trump temem que Papadopoulos tenha feito gravações
escondidas com outros assessores, nos mesmos moldes dos áudios gravados
no Brasil pelos irmãos Batista, da JBS, e por Sérgio Machado,
ex-presidente da Transpetro.
"Isso é uma centopeia", disse o senador do Arizona John McCain, companheiro de partido de Trump.
"Mais sapatos vão aparecer."
O presidente americano reagiu pelo Twitter,
dizendo que Papadopoulos é um "voluntário de baixo escalão".
"Poucos
conheciam o jovem voluntário de baixo escalão chamado George, que já
provou ser um mentiroso", escreveu Trump.
"Investiguem os Democratas!".
Em março de 2016, porém, o republicano havia chamado o mesmo
Papadopoulos de um "cara ótimo" em entrevista ao jornal "Washington
Post".
Acordo.
O crime de mentir para o FBI prevê prisão de 5 anos e multa de US$ 250 mil.
Mas, após o acordo com o investigador Robert S. Mueller, desafeto de
Trump e responsável pela apuração sobre a possível conspiração russa, a
previsão de pena de Papadopoulos caiu para 6 meses de prisão e multa
entre US$ 500 e US$ 9,5 mil (ainda sujeitas à avaliação de um juiz).
O acordo reforçou a tese de que Papadopoulos tem informações importantes contra o presidente.
"Mueller não teria se envolvido em um acordo de cooperação com
Papadopoulos sem ter certeza que ele pode ajudar de alguma forma na
investigação", disse à BBC Brasil a especialista Julie R. O'Sullivan,
professora de direito da Universidade de Georgetown, em Washington.
"Dado o conteúdo do acordo, divulgado publicamente, parece que
Papadoulos tem informações relevantes para a investigação sobre a
Rússia".
E o ex-assessor não é a única pedra no sapato do presidente americano.
Em seu depoimento ao FBI, ele cita pelos menos três homens próximos a
Trump que teriam participado das negociações com os russos - um
"experiente assessor político", um "supervisor de campanha" e "um
militar de alta patente da campanha" - cujos nomes ainda não foram
revelados.
Impeachment e eleições
Fontes no governo avaliam que estes três nomes já estariam nas mãos do
investigador Mueller - e que novas delações premiadas completariam um
intrincado quebra-cabeças que poderia transformar o caso em um processo
contra o presidente.
Especialistas como Laurence Tribe, um renomado professor de direito
constitucional da Universidade Harvard, afirmam que o caso pode, de
fato, dar força a um pedido de impeachment.
Para a professora O'Sullivan, de Georgetown, tudo depende do conteúdo
das informações ainda não divulgadas.
"Dado que o presidente ainda é
popular entre os republicanos e que os republicanos têm maioria no
Congresso, quaisquer eventuais informações teriam que ser muito sérias
para gerar um processo de impeachment neste momento."
O problema é que 2018 é ano de eleições no Congresso americano e, ao que tudo indica, Trump perderá apoio no parlamento.
Nas 18 eleições de meio período que ocorreram no país desde a Segunda
Guerra Mundial, o partido do presidente perdeu, em média, 25 cadeiras na
Câmara dos Representantes (equivalente à Câmara dos Deputados
brasileira) e 4 cadeiras do Senado.
Escutas?
Em julho, procuradores pediram que a identidade de Papadopoulos fosse
preservada, argumentando que "a divulgação pública (...) prejudicaria
significativamente sua capacidade de atuar como colaborador proativo" na
investigação.
Papadopoulos havia sido preso quando desembarcava no aeroporto de
Dulles, em Washington, e foi liberado sem alarde - o que acendeu um
alerta em seus interlocutores deste então.
O termo "colaborador pró-ativo", segundo a imprensa americana, pode
indicar que Papadopoulos tenha trabalhado entre julho e outubro deste
ano para coletar novas provas para a Justiça americana.
Especialistas entrevistados pelo jornal "The New York Times" e pela
rede de TV CNN sugerem que o termo pode indicar que Papadopoulos tenha
feito inclusive gravações de novas conversas com membros da campanha de
Trump.
As gravações feitas em sigilo por delatores se tornaram populares no
Brasil com a operação Lava Jato - cuja lógica de delações premiadas é
inspirada na legislação dos EUA.
Em palestras recentes na capital americana, o juiz federal Sergio Moro e
o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot defenderam o
instrumento de investigação e elogiaram seu uso pela Justiça americana
em casos que envolvem políticos e poderosos.
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