HAROLDO CASTRO, DE ULAANBAATAR (TEXTO E FOTOS)
Na Mongólia, as crianças aprendem a montar aos quatro anos de idade.
Dos três milhões de habitantes que vivem no país, quase um milhão são
nômades.
Para estes, o cavalo é vital, pois permite vencer as grandes
distâncias das estepes.
É o principal meio de transporte para um povo
altivo que ainda troca de morada a cada dois ou três meses.
O imperador Gênghis Khan só conquistou meio mundo por que desenvolveu uma cavalaria vigorosa”, diz orgulhosamente Badrakh Choidogiin, acariciando a cabeça de um alazão negro.
“Por isso, o cavalo é muito respeitado em nossa cultura”.
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Desde minha primeira visita ao país, observei a importância do cavalo entre os mongóis.
A figura central da bandeira de preces budistas é a do Cavalo de Vento.
O instrumento musical nacional – o violino Morin Khuur – utiliza fios do rabo do animal para o arco e suas duas cordas, além de trazer uma talha da cabeça de um cavalo no cabo.
Cada um dos nove estandartes nacionais, venerado durante a festa nacional do Naadam, é confeccionado com nove rabos de cavalos brancos.
Quase todos os cavalos são ornados com peças de prata.
Badrakh caminha entre os cavalos, alisando o pescoço de um e penteando a crina de outro.
Um senhor vestido com uma bata elegante se aproxima.
É Choidog, pai de Badrakh e de mais outros dez filhos.
Vive a 25 km de Bayan Onjuul (onde estamos), em sua tenda tradicional, cercado de 300 cavalos, 50 cabeças de gado e 250 carneiros e cabritos.
A paixão de Choidog é treinar cavalos e ele já ganhou dois primeiros lugares em competições nacionais.
Para as provas em Bayan Onjuul, na província de Tuv, a 140 km da capital, Choidog trouxe cerca de 40 animais e montou um acampamento com parentes e amigos.
O ritual de cada corrida demora mais de duas horas e as provas são por idade dos cavalos.
Badrakh avisa que o momento do início da corrida é sempre muito delicado.
Os cavalos ficam nervosos, tornam-se impacientes e relincham antes da largada.
E quando um sai, todos vão atrás.
É o que acontece na terceira corrida de Bayan Onjuul.
Alguns dos pequenos jóqueis não conseguem travar seus animais e um grupo de cavalos indóceis não resiste à vontade de sair em disparada.
Agora são 20 km sem escalas, os cavalos voando nas estepes.
À medida que um cavalo cruza a linha final, seu treinador e um ajudante correm para o receber.
A primeira providência é passar uma espátula de bambu rente ao corpo molhado do animal para retirar o suor.
“É preciso secar o cavalo para que ele não adoeça”, afirma Choidog.
Os bravos alazões são o foco de todo o mimo.
Mas e as crianças?
Com suas carinhas sujas de pó e as narinas entupidas de areia, os meninos e meninas que não tiveram a glória de chegar entre os cinco primeiros, são relegados a segundo plano.
Sem cavalos, eles carregam sua sela e caminham desnorteados.
Apesar de estarem visivelmente exaustos, pouca atenção lhes é dada.
O máximo que um ou outro recebe é uma garrafa de refrigerante para matar a sede.
Na hora da entrega do prêmio aos cinco vencedores, um lenço azul é amarrado no pescoço do animal e um cálice com vodca é entregue ao jóquei mirim para molhar seus lábios.
O resto da bebida é oferecida como agradecimento e jogada ao ar.
Uma bebida branca entra em cena, é o “airaq”, leite fermentado de égua; não existe ritual na Mongólia sem “airaq”.
Cada treinador entrega a vasilha na mão de seu jóquei, que bebe um gole.
Em seguida, o treinador rega a crina, a traseira e a testa do cavalo com o leite de égua.
Os organizadores da corrida colocam uma medalha no cavalo e entregam outra aos meninos.
Dentre as cinco crianças vencedoras há uma menina.
Ela segura o bastão com o número 1; tem apenas seis anos e seu nome é Chivaandulam.
Notei o número de seu jaleco: 108.
Teria sido uma mera coincidência o fato que 108 é o número mais abençoado no budismo mongol?
Seu treinador sorri quando indico, de forma inquisitiva, o número do jaleco.
Ele acaricia a face do cavalo, como se agradecesse o esforço do animal.
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