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domingo, setembro 15, 2013

Doutor é quem faz Doutorado


Prof. Tura, autor de Soberania Estatal e Classes Sociais
MARCO ANTÔNIO RIBEIRO TURA





































No momento em que nós do Ministério Público da União nos preparamos para atuar contra diversas instituições de ensino superior por conta do número mínimo de mestres e doutores, eis que surge (das cinzas) a velha arenga de que o formado em Direito é Doutor.
A história, que, como boa mentira, muda a todo instante seus elementos, volta à moda. 

Agora não como resultado de ato de Dona Maria, a Pia, mas como consequência do decreto de D. Pedro I.

Fui advogado durante muitos anos antes de ingressar no Ministério Público. 

Há quase vinte anos sou Professor de Direito. 

E desde sempre vejo "docentes" e "profissionais" venderem essa balela para os pobres coitados dos alunos.

Quando coordenador de Curso tive o desprazer de chamar a atenção de (in) docentes que mentiam aos alunos dessa maneira. 

Eu lhes disse, inclusive, que, em vez de espalharem mentiras ouvidas de outros, melhor seria ensinarem seus alunos a escreverem, mas que essa minha esperança não se concretizaria porque nem mesmo eles sabiam escrever.

Pois bem!

Naquela época, a história que se contava era a seguinte: Dona Maria, a Pia, havia "baixado um alvará" pelo qual os advogados portugueses teriam de ser tratados como doutores nas Cortes Brasileiras. 

Então, por uma "lógica" das mais obtusas, todos os bacharéis do Brasil, magicamente, passaram a ser Doutores. 

Não é necessária muita inteligência para perceber os erros desse raciocínio.

Mas como muita gente pode pensar como um ex-aluno meu, melhor desenvolver o pensamento (dizia meu jovem aluno: "o senhor é Advogado; pra que fazer Doutorado de novo, professor?").

1) Desde já saibamos que Dona Maria, de Pia nada tinha. 

Era Louca mesmo! E assim era chamada pelo Povo: Dona Maria, a Louca!

2) Em seguida, tenhamos claro que o tão falado alvará jamais existiu. 

Em 2000, o Senado Federal presenteou-me com mídias digitais contendo a coleção completa dos atos normativos desde a Colônia (mais de quinhentos anos de história normativa). 

Não se encontra nada sobre advogados, bacharéis, dona Maria, etc. 

Para quem quiser, a consulta hoje pode ser feita pela Internet.

3) Mas digamos que o tal alvará existisse e que dona Maria não fosse tão louca assim e que o povo fosse simplesmente maledicente.

Prestem atenção no que era divulgado: os advogados portugueses deveriam ser tratados como doutores perante as Cortes Brasileiras. 

Advogados e não quaisquer bacharéis. 

Portugueses e não quaisquer nacionais. 

Nas Cortes Brasileiras e só! 

Se você, portanto, fosse um advogado português em Portugal não seria tratado assim. 

Se fosse um bacharel (advogado não inscrito no setor competente), ou fosse um juiz ou membro do Ministério Público você não poderia ser tratado assim. 

E não seria mesmo.

Pois os membros da Magistratura e do Ministério Público tinham e têm o tratamento de Excelência (o que muita gente não consegue aprender de jeito nenhum). 

Os delegados e advogados públicos e privados têm o tratamento de Senhoria. 

E bacharel, por seu turno, é bacharel; e ponto final!

4) Continuemos. Leiam a Constituição de 1824 e verão que não há "alvará" como ato normativo. 

E ainda que houvesse, não teria sentido que alguém, com suas capacidades mentais reduzidas (a Pia Senhora), pudesse editar ato jurídico válido. 

Para piorar: ainda que existisse, com os limites postos ou não, com o advento da República cairiam todos os modos de tratamento em desacordo com o princípio republicano da vedação do privilégio de casta. 

Na República vale o mérito. 

E assim ocorreu com muitos tratamentos de natureza nobiliárquica sem qualquer valor a não ser o valor pessoal (como o brasão de nobreza de minha família italiana que guardo por mero capricho porque nada vale além de um cafezinho e isto se somarmos mais dois reais).

A coisa foi tão longe à época que fiz questão de provocar meus adversários insistentemente até que a Ordem dos Advogados do Brasil se pronunciou diversas vezes sobre o tema e encerrou o assunto.

Agora retorna a historieta com ares de renovação, mas com as velhas mentiras de sempre.

Agora o ato é um "decreto". 

E o "culpado" é Dom Pedro I (IV em Portugal).

Mas o enredo é idêntico. 

E as palavras se aplicam a ele com perfeição.

Vamos enterrar tudo isso com um só golpe?!

A Lei de 11 de agosto de 1827, responsável pela criação dos cursos jurídicos no Brasil, em seu nono artigo diz com todas as letras: "Os que frequentarem os cinco anos de qualquer dos Cursos, com aprovação, conseguirão o grau de Bachareis formados. 

Haverá tambem o grau de Doutor, que será conferido àqueles que se habilitarem com os requisitos que se especificarem nos Estatutos que devem formar-se, e só os que o obtiverem poderão ser escolhidos para Lentes".



Traduzindo o óbvio. 



A) Conclusão do curso de cinco anos: Bacharel. 



B) Cumprimento dos requisitos especificados nos Estatutos: Doutor. 



C) Obtenção do título de Doutor: candidatura a Lente (hoje Livre-Docente, pré-requisito para ser Professor Titular). 

Entendamos de vez: os Estatutos são das respectivas Faculdades de Direito existentes naqueles tempos (São Paulo, Olinda e Recife). 



A Ordem dos Advogados do Brasil só veio a existir com seus Estatutos (que não são acadêmicos) nos anos trinta.

Senhores.

Doutor é apenas quem faz Doutorado. 

E isso vale também para médicos, dentistas, etc, etc.

A tradição faz com que nos chamemos de Doutores. 

Mas isso não torna Doutor nenhum médico, dentista, veterinário e, mui especialmente, advogados.

Falo com sossego.

Afinal, após o meu mestrado, fui aprovado mais de quatro vezes em concursos no Brasil e na Europa e defendi minha tese de Doutorado em Direito Internacional e Integração Econômica na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.


Aliás, disse eu: tese de Doutorado! Esse nome não se aplica aos trabalhos de graduação, de especialização e de mestrado. 

E nenhuma peça judicial pode ser chamada de tese, com decência e honestidade.

Escrevi mais de trezentos artigos, pareceres (não simples cotas), ensaios e livros. 

Uma verificação no sítio eletrônico do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) pode compravar o que digo. 

Tudo devidamente publicado no Brasil, na Dinamarca, na Alemanha, na Itália, na França, Suécia, México. 

Não chamo nenhum destes trabalhos de tese, a não ser minha sofrida tese de Doutorado.


Após anos como Advogado, eleito para o Instituto dos Advogados Brasileiros (poucos são), tendo ocupado comissões como a de Reforma do Poder Judiciário e de Direito Comunitário e após presidir a Associação Americana de Juristas, resolvi ingressar no Ministério Público da União para atuar especialmente junto à proteção dos Direitos Fundamentais dos Trabalhadores públicos e privados e na defesa dos interesses de toda a Sociedade. 

E assim o fiz: passei em quarto lugar nacional, terceiro lugar para a região Sul/Sudeste e em primeiro lugar no Estado de São Paulo. 

Após rápida passagem por Campinas, insisti com o Procurador-Geral em Brasília e fiz questão de vir para Mogi das Cruzes.

Em nossa Procuradoria, Doutor é só quem tem título acadêmico. 

Lá está estampado na parede para todos verem.

E não teve ninguém que reclamasse; porque, aliás, como disse linhas acima, foi a própria Ordem dos Advogados do Brasil quem assim determinou, conforme as decisões seguintes do Tribunal de Ética e Disciplina: Processos: E-3.652/2008; E-3.221/2005; E-2.573/02; E-2067/99; E-1.815/98.

Em resumo, dizem as decisões acima: não pode e não deve exigir o tratamento de Doutor ou apresentar-se como tal aquele que não possua titulação acadêmica para tanto.

Como eu costumo matar a cobra e matar bem matada, segue endereço oficial na Internet para consulta sobre a Lei Imperial:

www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_63/Lei_1827.htm

Os profissionais, sejam quais forem, têm de ser respeitados pelo que fazem de bom e não arrogar para si tratamento ao qual não façam jus.

Isso vale para todos.

Mas para os profissionais do Direito é mais séria a recomendação.

Afinal, cumprir a lei e concretizar o Direito é nossa função. 

Respeitemos a lei e o Direito, portanto; estudemos e, aí assim, exijamos o tratamento que conquistarmos. 

Mas só então.

PROF. DR. MARCO ANTÔNIO RIBEIRO TURA , 41 anos, jurista. Membro vitalício do Ministério Público da União. 

Doutor em Direito Internacional e Integração Econômica pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. 

Mestre em Direito Público e Ciência Política pela Universidade Federal de Santa Catarina. 

Professor Visitante da Universidade de São Paulo. 

Ex-presidente da Associação Americana de Juristas, ex-titular do Instituto dos Advogados Brasileiros e ex-titular da Comissão de Reforma do Poder Judiciário da Ordem dos Advogados do Brasil.

 8 Comentários


Jose Carlos Barbosa Lemos
12 votos 

O Dr. Marco Tura tem toda a razão e sempre tive essa opinião com relação ao título de "Doutor" aos advogados, médicos, dentistas, entre outros. No meu cartão ou qualquer documento, nunca assinei como Dr. Porém, todo o atendimento realizado pela OAB, varas do Trabalho, cível, crime, o tratamento dispensado é o de "Doutor", assim como, em audiências, seja pelo procurador da parte, seja pelo magistrado ou pelo MP, ou seja, sabemos que existe a necessidade da defesa de uma tese, mas, na prática, a denominação se "popularizou" com os próprios operadores do direito. Parabéns, Doutor, pelo brilhante texto.

 

Valmir Luckmann
2 votos 
Em que pese o brilhante texto elucidativo do Dr. Marco Tura, não podemos esquecer de um simples detalhe: A fonte formal imediata do direito - O COSTUME.
A doutrina aponta dois requisitos para considerarmos um comportamento costumeiro: um, objetivo, a duração do hábito; outro, subjetivo, a consciência da obrigatoriedade.
Costume, a rigor, é o comportamento que se repete no tempo. Há o costume quando as pessoas adquirem um hábito comportamental duradouro, praticando espontaneamente a conduta. Torna-se uma fonte do direito quando podemos extrair, do comportamento, uma norma que seja considerada válida pelo ordenamento jurídico.
S.M.J.


Carlos Egídio
Parabéns, vc foi o mais coerente.


Larissa Santos
1 voto 
estudemos, fazendo MESTRADO E DOUTORADO e, aí assim, exijamos o tratamento que conquistarmos. Mas só então.


Maria Eulina Vieira Lima
1 voto 
Muito pertinente a opinião do Dr. Marco Tura. Além do que Doutor é título acadêmico e não pronome de tratamento.
Maria Eulina


Leandro da Silva Ribeiro
1 voto 
Olá, excelente texto, entretanto, o termo doutor pode sim ser usado para qualquer pessoa que terminou o ensino superior. basta olhar o dicionário houaiss, Aurélio etc.

substantivo masculino
1 aquele que, numa universidade, foi promovido ao mais alto grau depois de haver defendido tese em alguma disciplina literária, artística ou científica
2 homem muito instruído em qualquer ramo
3 Uso: ironia.
homem que alardeia sapiência ou que dita regras de pensamento a propósito de tudo
4 pessoa diplomada em curso superior, esp. em medicina
5 qualquer médico
Ex.: o d. ficou de ver o doente em casa 6 forma de tratamento respeitoso, us. em reconhecimento de superioridade na hierarquia social


Deise Guerra
Pois é. Este último dicionário citado também diz que "salchicha" é derivado de salsicha. Isso se explica pelo grande número de pessoas que falam "salchicha"... assim também se dá ao termo "doutor", contudo, isso não significa de maneira alguma que é a forma correta... Só vão para o dicionário palavras usadas por escritores e a fala do povo nos seus "usos e costumes", logo, esse argumento não se aplica aqui...


 
Teresa Soares
Já fiz alguns estudos sobre o tema em questão porém, o senhor foi o mais claro e objetivo. Senti-me muito orgulhosa em saber que existem pessoas com tamanha honradez! Pois somente alguém com tantos títulos e merecidos por sinal pode fazer jus a tal tratamento. Portanto, fica mais um aprendizado estudemos sempre, até mesmo para sermos mais coerentes ao nos reportarmos àqueles que realmente são merecedores de tal tratamento. 

 
Valter Desiderio Barreto 
Sem contar que quem faz o uso desse título conquistado com muito suor e muitos anos de estudos de forma indevida, está cometendo os crimes de Falsidade Ideológica, Propaganda Enganosa e o Crime de Lesa Razão. 


Fonte:  por-leitores.jusbrasil.com.br/noticias/.../doutor-e-quem-faz-doutorado

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