'7 dias em Entebbe' é inspirado no sequestro e no resgate dos passageiros de voo em 1976. Diretor dos 'Tropa de Elite' 1 e 2 comentou a atual situação do Rio de Janeiro
Por Cauê Muraro, G1
José Padilha participou nesta segunda-feira (19), em São Paulo, de uma
entrevista coletiva para lançar seu novo filme, "7 dias em Entebbe".
Com
estreia prevista para 19 de abril, o longa é sobre terrorismo.
Baseado
em fatos reais, conta a história do sequestro e do resgate dos
passageiros de um avião que viajava de Tel Aviv para Paris em 1976.
Mas,
sendo este o diretor dos dois "Tropa de Elite", três assuntos se
destacaram na conversa:
- Segurança pública no Rio;
- O assassinato de Marielle Franco;
- Corrupção no Brasil;
Durante o evento, Padilha falou sobre a morte da vereadora Marielle Franco, morta a tiros na noite de quarta-feira (14), no Rio.
O motorista que estava com ela, Anderson Pedro Gomes, também foi morto na ação.
"Olho para a segurança pública do Rio de Janeiro e vejo um processo
recorrente que é o seguinte.
A gente tem o assassinato silencioso nos
últimos 20 anos de um número enorme de pessoas, por vários motivos",
afirmou.
"Essencialmente, porque a polícia é do jeito que mostrei nos 'Tropa de Elite' 1 e 2 despreparada, corrupta e extremamente violenta.
E por outro lado não existe assistência social em comunidades carentes.
Esse estado de coisas mata um número enorme de pessoas."
O diretor observa que próprio Brasil é responsável tanto pela a polícia
violenta quanto pela falta de assistência nesses locais.
Ele diz a
situação não pode ser jogada apenas na conta da pobreza.
"Tem países mais pobres que o Brasil com índice de violentas menores".
Ele citou que a polícia do Rio mata 40 vezes mais que a polícia dos Estados Unidos inteiros.
"Nesse processo, de vez em quando, acontece algum acontecimento, algum assassinado, alguma morte que, ou pela circunstância ou pela pessoa que morre, ganha a mídia e revela e traz à tona de volta essa situação subjacente.
Foi assim na Candelária, em Vigário Geral e no Ônibus 174."
Dizendo "eu não sei quem matou a Marielle", completou: "Foi uma
execução, claramente.
Agora, é uma perda gigantesca para o Rio de
Janeiro, de uma pessoa de grande valor.
Eu não conhecia a Marielle, mas
conheço o Marcelo Freixo [próximo à vereadora assassinada], é uma pessoa
que admiro".
Para Padilha, a morte de Marielle "é uma tragédia que vai continuar, daqui a cinco anos vai ter outra".
'O mecanismo' e a corrupção
Padilha também falou sobre "O mecanismo", série criada em parceria com Elena Soares, inspirada na Lava Jato.
"Vou resumir minha tese: é a ideia de que a corrupção não é um evento
que acontece de vez em quando é uma lógica estruturante desde o governo
do Sarney até hoje.
A corrupção não tem ideologia, sempre aconteceu nos
governos do PT, do PMDB e do PSDB, é de direita é de esquerda".
Para ele, a "briga ideológica que faz com que as pessoas não vejam o fato, mas o fato é o óbvio ululante".
"Vejo as pessoas tentando defender o seu lado quando claramente os reis estão nus."
'7 Dias em entebbe'
Padilha ressaltou que o roteiro de "7 dia em Entebbe" adota um ponto de
vista diferente daquele comumente usado quando se fala do episódio real
que inspirou a trama.
"Normalmente, essa história é contata como um grande feito militar [de
Israel]", afirmou.
No filme, a perspectiva parte da "relação entre
terroristas e sequestrados".
Optou-se ainda por mostrar os bastidores da decisão das autoridades
israelenses em favor de uma arriscada operação de resgate, com grande
tensão entre o então primeiro-ministro Yitzhak Rabin, que questionava a
necessidade da ação, e Shimon Peres, que era ministro da Defesa e
apoiava o contra-ataque.
O diretor reconheceu existir "um tabu sobre terrorismo".
"Tem que poder analisar a psicologia do terrorismo, até para atuar de forma inteligente contra ele.
Terrorismo, além de ser brutal e desumano, é estúpido.
Requer que as pessoas que estão cometendo aqueles atos cheguem a algum estado mental em que não conseguem pensar com a mínima clareza."
De acordo com ele, a melhor estratégia é "entender o que gera esse estado mental e por quê".
Sobre as críticas feitas à abordagem, o cineasta reconhece que "quando
você vai fazer um filme sobre Israel e Palestina para abordar psicologia
de um terroristas, pode se preparar que vai ter gente que não vai ter
estômago para ver e pensar a respeito".
"Quem tem direito de usar a palavra terrorista?
Quem pode aplicar a palavra ou não já é uma questão política, para começar."
Padilha ainda lembrou que seu filme anterior feito no exterior foi uma experiência diferente deste novo trabalho.
"Já fiz isso antes com [o remake] de 'Robocop', só que era um filme
enorme, um filme de estúdio, um lançamento oito vezes maior.
Este é um
filme menor, sobre um assunto que eu não sei se é uma referência para o
público brasileiro.
O que aconteceu em Entebbe em 1976 é um evento
marcante para a história do Oriente Médio, por vários motivos.
Não sei
se é algo conhecido do público brasileiro, acho que não."
Disse que seus filmes já lançados no Brasil são "sobre assuntos
prementes, segurança pública, corrupção".
"Este não, é sobre um assunto
normalmente estranho ao público brasileiro".
Os atores Rosamund Pike e Daniel Brühl e estrelam "7 dias em Entebbe",
na pele de dois alemães que, favoráveis à causa palestina, sequestram o
avião.
"Para fazer um filme pequeno, você tem que depender das vendas
internacionais, o que acontece por causa do elenco.
Tem que escalar um
ator que dê a possibilidade de vende ro filme.
Não dá para fazer um
filme deste, de US$ 25 milhões [de orçamento], com atores
desconhecidos."
'Tel Aviv parece o Rio de Janeiro'
Com roteiro é assinado por Gregory Burke, e trilha sonora do brasileiro
Rodrigo Amarante, conhecido pelo trabalho na banda Los Hermanos, "7
dias em Entebbe" foi rodado em Israel, Malta e Londres.
Embora seja filho de mãe com ascendência judaica, Padilha só conheceu
Israel por causa do novo filme.
"Fui lá pela primeira vez para
pesquisar, Tel Aviv parece o Rio de Janeiro", falou.
E não só apenas por
questões de aparência, lembraria mais tarde.
Contou que, certo dia, pegou um táxi em Tel Aviv e foi conhecer Jerusalém.
Uma vez lá, decidiu visitar o lado palestino da cidade.
"Perguntei ao motorista se ele se sentia seguro indo até lá.
Ele me mostrou uma [pistola] Glock 9mm e falou: 'Claro que eu estou seguro!'.
Me lembrou um pouco o Rio de Janeiro".