Fake news: estudo revela como nasce e se espalha uma notícia falsa na web.
As notícias falsas são apontadas como um dos principais desafios das eleições de 2018.
Como conter os boatos na web?
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) montou um conselho consultivo para
estudar soluções para o problema.
O conselho é composto por
representantes do Ministério da Justiça, Agência Brasileira de
Inteligência (Abin), Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI),
Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Safernet e
Fundação Getúlio Vargas.
Para o ministro Luiz Fux, que assumiu a presidência do TSE, o combate às noticias falsas é prioridade.
Em entrevista ao Fantástico,
ele diz que o TSE vai agir.
"O TSE não pretende assistir passivamente o
cometimento desses ilícitos.
O TSE criou um grupo de inteligência
formado por uma elite da inteligência da Abin, do Exército.
A todos
aqueles que pretendem usar as fake news para obtenção de um resultado
político ilícito, que coloquem suas barbas de molho."
O TSE diz que a função do conselho é "desenvolver pesquisas e estudos
sobre as regras eleitorais e a influência da internet nas eleições, em
especial o risco das fake news e o uso de robôs na disseminação das
informações, além de opinar sobre as matérias que lhe sejam submetidas
pela presidência do TSE e propor ações e metas voltadas ao
aperfeiçoamento das normas".
Deputados e senadores propõem tornar crime a criação e disseminação de
notícias falsas.
Tramita no Senado o projeto de lei 473/2017, do senador
Ciro Nogueira (PP-PI), que prevê prisão de seis meses a três anos e
multa para quem divulga notícia que sabe ser falsa e que possa
distorcer, alterar ou corromper a verdade.
A justificativa do projeto diz que, quando a vítima pode ser
identificada, a divulgação de fake news, via de regra, configura crime
contra a honra (calúnia, injúria ou difamação).
No entanto, aponta que
há situações em que a lei penal não prevê qualquer tipo de punição para
os casos em que a notícia falsa prejudica o direito da população de
receber informações verdadeiras e não corrompidas.
A ideia, segundo ele,
é criar um tipo penal que, em linhas gerais, pune a divulgação de
notícia falsa que atinge interesse público relevante, prevendo pena mais
grave para a divulgação feita pela internet e uma causa de aumento de
pena quando o agente visa a obtenção de vantagem, para si ou para outro.
A Câmara dos Deputados também analisa o projeto de lei 6812/17, do
deputado federal Luiz Carlos Hauly, que torna crime a divulgação ou
compartilhamento na internet de "notícia que seja falsa ou
prejudicialmente incompleta", sob pena de detenção de dois a oito meses e
pagamento de 1,5 mil a 4 mil dias-multa.
Já o deputado Jorge Côrte Real (PTB-PE) propõe no PL 8592/2017 detenção
de um a dois anos para quem divulgar ou compartilhar, por qualquer meio
de comunicação social, informação falsa.
O deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS) propõe no PL9554/2018 teor
semelhante ao da proposta de Ciro Nogueira, mas o tempo de prisão pode
chegar a até seis anos e meio.
Francisco Floriano (DEM/RJ) propõe no
PL9533/2018 aplicar em dobro a pena prevista na lei 7170/1983 (que
define os crimes contra a segurança nacional) quando a disseminação de
fake news for realizada por meio de redes sociais.
Mestre em direito pela Universidade de Harvard, doutor em direito pela
Universidade de São Paulo e ex-integrante do Conselho de Comunicação
Social do Congresso Nacional, o advogado Ronaldo Lemos diz que não
existe nenhum tipo penal que trate da punição a quem cria boatos no
Brasil.
"Em outras palavras, não é crime criar boatos", diz.
Ele aponta,
entretanto, que a criação e disseminação de boatos ou notícias falsas
pode ser enquadrada atualmente como crime contra a honra.
"A criação e disseminação de boatos pode configurar um dos crimes
contra a honra, quais sejam, calúnia, injúria ou difamação.
Isso
dependerá do conteúdo do boato e sempre da avaliação do juiz.
Nesse
sentido, vale notar que há boatos inofensivos, que podem não se
configurar como crimes (por exemplo, espalhar que uma celebridade está
namorando uma pessoa etc)."
No Código Penal brasileiro, essas implicações legais ligadas a boatos se enquadram nos chamados crimes de honra:
Calúnia: Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime.
Pena: detenção de seis meses a dois anos e
multa.
Difamação: Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação.
Pena: detenção de três meses a um ano e
multa.
Injúria: Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro.
Pena: detenção de um a seis meses e multa.
Os três crimes têm penas semelhantes, mas toda detenção menor que 4 anos é convertida em cesta básica e outros serviços.
Visiting scholar e professor na Universidade de Princeton, Oxford,
Columbia, UERJ e MIT Media Lab, Lemos diz que a legislação eleitoral
brasileira já é suficiente para coibir notícias falsas nas eleições de
2018.
"É uma das mais restritivas entre os países democráticos.
O juiz
eleitoral já conta com amplos poderes para remover conteúdos, inclusive
para além dos limites da calúnia, injúria e difamação.
Esses amplos
poderes têm inclusive gerado preocupações e manifestações contra a
prática de censura prévia.
O próprio Conselho de Comunicação do
Congresso Nacional já se manifestou nesse sentido.
A lei brasileira não
precisa de qualquer modificação para lidar com o tema", diz.
Uma das armas para combater as notícias falsas é apontar como identificá-las.
Como identificar uma notícia falsa
1 - Você conhece o site da notícia?
Você conhece o site?
Sabe que tem uma equipe responsável por ele?
Segundo material produzido pelo Instituto Poynter, entidade americana
que analisa e estuda a imprensa, quando você acessa um site, a primeira
coisa que deve fazer é verificar onde está e quem está por trás das
páginas que está lendo.
Se não conseguir encontrar nenhuma informação
sobre o autor ou nenhuma seção que explique o que é o site, é melhor
ficar atento.
"É importante prestar atenção na página para saber que tipo de site é
aquele e pensar se já leu coisas sobre aquela publicação", diz Fabio
Goveia, coordenador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e
Cibercultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo.
"Às
vezes, são sites que espelham o jornalismo, copiam nome e tipo de página
de sites grandes, como o próprio G1, mas é um jornalismo fake news, um jornalismo de paródia, e a pessoa compartilha como se fosse verdade."
É o caso também de sites de humor, que usam a estética e a linguagem
jornalísticas para brincar com as informações.
O problema é que um
leitor não atento pode acreditar e compartilhar o humor como sendo
verdade.
Pablo Ortellado, do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o
Acesso a Informação da Universidade de São Paulo (USP), afirma que
deve-se olhar para o histórico do veículo com uma perspectiva "não
política".
"Numa situação polarizada, as pessoas acreditam em qualquer
coisa que confirme sua opinião."
2 - Dá pra saber de quando é a notícia?
Geralmente, notícias falsas não indicam quando o fato narrado aconteceu
- se nesta semana, se neste ano, se há dez anos.
Por isso, é muito
fácil que boatos antigos voltem a circular nas redes de tempos em
tempos.
Como não há indicação de tempo, aquela “notícia” pode sempre ser
atual.
Por isso, veja se a notícia é datada de alguma forma.
Caso o
texto tenha uma data de publicação, busque por ela - pode ser que aquele
link seja antigo.
Muitas vezes, uma notícia de anos antes viraliza em um momento
específico.
Foi o que aconteceu há uns anos com uma notícia verdadeira
sobre o cancelamento do Enem.
Um link de uma reportagem sobre o assunto
foi difundido às vésperas do Enem de 2012, provocando pânico nos
candidatos.
Só que o link era de uma notícia de 2009, quando o Enem foi
adiado para todos os inscritos após a notícia do furto de provas.
O caso
foi parar na Polícia Federal, e o Ministério da Educação convocou uma
coletiva para desmentir o cancelamento.
3 - A notícia é assinada?
Por quem?
Não, você não precisa conhecer todos os jornalistas do mundo pelo nome.
Mas, segundo especialistas, a maioria das notícias falsas
compartilhadas nas redes sociais não tem um autor identificado -
principalmente quando são apenas textos repassados por Whatsapp e não
estão hospedados em sites.
Em outros casos, os textos são “assinados” por personalidades
conhecidas, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ou o
jornalista Arnaldo Jabor.
Nesses casos, é importante ligar o
“desconfiômetro”: é muito fácil escrever uma mensagem de cunho político,
colocar que o autor é alguém conhecido e repassar no Whatsapp.
Caso
aquela mensagem seja verdadeira, uma rápida busca online pode levar
rapidamente a sites repercutindo as informações.
Caso a busca não traga
nada claro, tudo indica que é mentira.
4 - Você consegue identificar a fonte das informações?
Pode até ser que a notícia esteja datada e assinada, mas as informações
do texto são creditadas a alguém?
"Esse texto está citando um
documento?
Ele cita uma fonte?
Fez uma entrevista com um dono de
empresa, com um porta-voz do governo?
Ou é apenas uma afirmação forte,
sem nenhum embasamento?
É apenas a voz de quem está relatando aquela
notícia?", elenca Ortellado.
Caso seja difícil identificar a fonte das informações, você já tem
outro sinal amarelo de que aquela notícia pode ser falsa.
É fácil
inventar um texto e não ter que deixar claro para o seu leitor de onde
ele veio.
Isso possibilita que as pessoas escrevam qualquer coisa, já
que não precisam provar nada para ninguém.
Em muitos casos, porém, órgãos e nomes bastante conhecidos são usados
para dar credibilidade à informação.
Correntes de e-mail e do WhatsApp
circulam frequentemente com a assinatura completa de um médico, um
funcionário público ou outro especialista.
Se a suposta fonte de
informação é um órgão público, basta encontrar o site oficial e checar
as últimas notícias – a maior parte deles mantém assessorias de imprensa
dedicadas a publicar esse tipo de comunicado.
Também é possível fazer uma busca online do nome da pessoa que assina a
informação, o que pode levar a desmentidos.
Caso isso não aconteça,
será possível comprovar, com a busca, se a pessoa efetivamente existe,
se trabalha na empresa envolvida, entre outras informações.
5 - A notícia é “bombástica”?
Aqui entra a questão de bom senso: se uma notícia parecer, à primeira
vista, “inacreditável”, talvez seja justamente porque ela não existe.
Segundo especialistas, em geral, quem tenta enganar os leitores escolhe
exagerar ou inventar eventos absurdos para mexer com a emoção do
público, principalmente quando as opiniões estão polarizadas.
A tendência é que as pessoas aceitem como verdade até informações
flagrantemente falsas porque elas estão de acordo com o que acreditam.
Por isso, segundo Ortellado, vale pensar duas vezes e dar uma busca na
internet para ver se a mesma notícia está sendo repercutida em outros
lugares.
Um exemplo dado por ele é a morte de Teori Zavascki, ministro do
Supremo Tribunal Federal (STF) que cuidava dos casos da Operação Lava
Jato e que sofreu um acidente de avião em Paraty (RJ).
Pouco depois do
acidente, os boatos já começaram a circular.
“Se alguém tivesse
descoberto realmente que um sargento da Aeronáutica tinha dado
instruções falsas para o avião do Teori, isso estaria em todos os
veículos”, explica Ortellado.
“Se não está, é um forte indício de que
essa notícia não foi verificada: ou ela é falsa, ou é um boato.”
Também é comum que notícias falsas usem recursos para parecer ainda
mais "bombásticas", como colocar o título em caixa alta.
Segundo o
Instituto Poynter, esse recurso costuma ser usado por caça-cliques - ou
seja, pessoas que tentam chamar a atenção para conseguir cliques do
leitor.
Dica bônus: Eu penso, logo compartilho
Por fim, mas não menos importante, os especialistas destacam a
importância de exercitar o senso crítico e tentar deixar de lado a
ansiedade que o rápido compartilhamento das notícias nas redes sociais
traz.
"As pessoas tendem a compartilhar essas informações como se
estivessem fazendo uma coisa muito boa, protegendo seus familiares e
seus amigos.
E nesse afã de querer compartilhar logo, de ser o primeiro a
passar aquela notícia, a pessoa acaba dando mais munição para quem está
por trás [dessas publicações falsas]", diz Goveia.
Segundo ele, ironicamente, essa cultura da velocidade vem do próprio
jornalismo , pois a forma atual de repassar informações do setor é tão
objetiva que as pessoas buscam sempre essa objetividade e essa rapidez.
"Assim como no jornalismo, agora toda a sociedade tem essa relação com a
notícia, de que é quente, rápida.
Além disso, o breaking news é mais
simples, então as pessoas conseguem reproduzir com facilidade.
Por isso,
tanto para o jornalismo como para o leitor, essa preocupação de
observar outros elementos além daqueles que costuma ter na mão, no
celular, tem que estar presente."
O senso crítico também vale para o teor das notícias.
Em uma época em
que as opiniões políticas estão tão polarizadas, é mais fácil cair nas
notícias falsas sobre políticos que circulam pela internet, já que as
pessoas já estão predispostas a acreditar em certas coisas.
"As pessoas acabam vivendo em uma bolha, isoladas em um grupo que só
fala de um partido A ou de um partido B.
Isso acaba impedindo que elas
tenham acesso a informações contraditórias.
Como a pessoa já está
predisposta a ter uma opinião, a corrente [de informações falsas]
funciona como um reforço do que ela acredita.
Por isso, acaba circulando
mais forte", diz Goveia.