Elas podem até ser aprovadas legalmente pelo Congresso, mas o efeito fiscal é idêntico: disfarçar o descalabro nas contas públicas
Por Helio Gurovitz
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Presidente Michel Temer faz caminhada na manhã desta quinta-feira (4) junto a seguranças (Foto: Reprodução/TV Globo).
O presidente Michel Temer saiu na última quinta-feira para dar uma
caminhada nos jardins do Palácio Jaburu e se disse “recuperadíssimo” de
todos os problemas de saúde que tem enfrentado em tempos recentes.
A economia também encerrou 2017 no mesmo tom superlativo:
“recuperadíssima”.
Inflação abaixo de 3%, crescimento de 1% e contas
públicas em torno de R$ 30 bilhões acima da meta fiscal, estabelecida
como um déficit de R$ 159 bilhões.
Mas o começo do ano já dá sinais que que Temer poderia ter imitado sua
antecessora e saído de bicicleta.
Duas medidas tomadas pelo governo têm
todas as características das pedaladas dos tempos de Dilma Rousseff.
Atenção: ao contrário de Dilma, que perdeu o cargo condenada por crime
de responsabilidade, Temer não fez nada ilegal até agora.
Mesmo assim, o
efeito nas contas públicas é idêntico: um disfarce para esconder a
situação precária.
A primeira medida foi a sanção da lei que permite à Caixa tomar
emprestados R$ 15 bilhões do FGTS.
O dinheiro descontado do salário dos
funcionários da iniciativa privada será usado pelo banco para ampliar a
concessão de crédito.
A Caixa está descapitalizada, tantos têm sido os empréstimos a governos
estaduais, usados até como moeda de troca para a obtenção de apoio à
Reforma da Previdência (como afirmou o ministro Carlos Marun).
A alternativa ao uso do FGTS seria o Tesouro capitalizar o banco,
medida que teria impacto fiscal imediato.
Com o FGTS, o dinheiro usado
para ampliar o crédito no ano eleitoral não virá do bolso do governo.
Virá do fundo que, em tese, representa segurança para os trabalhadores.
A operação ainda será julgada pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
Na prática, tem todas as características de uma pedalada: o uso de
dinheiro dos outros para tapar um buraco do governo – pedalada aprovada
pelo Congresso num prazo recorde de 7 dias.
Outra pedalada será aprovada se Temer obtiver a emenda que altera o
princípio estabelecido no inciso III do artigo 167 da Constituição,
conhecido como “regra de ouro”.
Essa regra, um dos pilares da
responsabilidade fiscal, determina que o governo não pode tomar dinheiro
emprestado para pagar suas despesas do dia a dia.
O endividamento deve servir apenas para honrar dívidas e fazer
investimentos.
Pela Constituição, o total emprestado pelo governo na
rubrica "endividamento" deve ser inferior à soma das atividades reunidas
sob a rubrica “despesas de capital”.
Entre 2013 e 2016, a diferença
entre as duas se estreitou de R$ 203,5 bilhões para R$ 86,1 bilhões.
Os números finais de 2017 ainda não foram divulgados, mas ela deve ter
caído ainda mais.
A regra de ouro só será cumprida graças à devolução de
R$ 50 bilhões do BNDES, relativos a recursos recebidos do Tesouro
durante a gestão Dilma.
Neste ano, o governo ainda conta com mais R$ 130
bilhões do BNDES.
Em 2019, esse valor será residual, R$ 18,6 bilhões.
O governo não vê de onde tirar mais dinheiro para cumprir a
Constituição.
Quer, portanto, mudá-la, de modo que o próximo presidente e
sua equipe econômica não estejam sujeitos a impeachment.
Uma proposta
de emenda do deputado Pedro Paulo (MDB-RJ) prevê a suspensão da regra de
ouro durante a vigência do teto para gastos públicos, até 2026.
Mais uma vez, a medida é um disfarce, mais uma pedalada que tenta
empurrar para a frente um encontro desagradável com o descalabro nas
contas públicas.
Não uma solução.
Por que não reformar a Previdência de modo mais robusto que a meia-sola
em que se transformou a proposta do governo?
Por que não reduzir a
remuneração nababesca ou acabar com o escandaloso auxílio-moradia a
procuradores e juízes (65% dos quais recebem acima do teto
constitucional)?
Por que não acabar com as prebendas de deputados e
senadores, como motoristas, apartamentos e passagens de avião?
Por que não extinguir as benesses tributárias e desonerações concedidas
a dezenas de setores econômicos incimpetentes para sobreviver sem a
mãozinha do Estado?
Por que não revogar a absurda liminar do ministro
Ricardo Lewandowski que mantém o aumento salarial do funcionalismo e
abre um buraco fiscal de R$ 6,6 bilhões?
Por que, aliás, não permitir a demissão de funcionários públicos para
enxugar a máquina?
Por que não deixar de repassar fortunas a estados e
municípios falidos pela ladroeira ou pela incompetência de seus gestores
(não se sabe o que é pior)?
Nada disso parece estar na agenda do Congresso.
Mais fácil pedalar e
enfiar a mão no bolso dos otários que, mais uma vez, elegerão os mesmos
parlamentares que cuidam de manter intocado nosso Estado de rapina.
Afinal, a economia está “recuperadíssima” e, como dizem nossos
keynesianos de botequim, “só um pouquinho de inflação não faz mal”, não é
mesmo?
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