Ministra do STF acolheu pedido do partido Rede Sustentabilidade, que alegou desvio de poder na edição da portaria. Governo defende portaria, mas diz que cumprirá decisão.
Por G1, Brasília
A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber suspendeu em decisão liminar (provisória) a portaria do Ministério do Trabalho que modificava regras de combate e fiscalização do trabalho escravo.
Weber acolheu o pedido do partido Rede Sustentabilidade, que pedia a
anulação dos efeitos da portaria. O partido argumentou que houve desvio
de poder na edição da medida.
A liminar da ministra tem efeito até o julgamento do mérito da ação
pelo plenário do tribunal, que não ainda não tem data marcada.
A portaria, publicada no dia 16, alterou os conceitos que devem ser
usados pelos fiscais para identificar um caso de trabalho forçado,
degradante e em condição análoga à escravidão, além de exigir, por
exemplo, que o fiscal apresente um boletim de ocorrência junto ao seu
relatório.
A medida ainda determinou que para caracterização do trabalho escravo
seja constatada a submissão do trabalhador a trabalho exigido sob ameaça
de punição, com uso de coação, realizado de maneira involuntária.
Desde a publicação, o texto vem sendo alvo de críticas
de entidades defensoras dos direitos dos trabalhadores, que alegam um
afrouxamento nas regras para combate ao trabalho escravo.
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que pediu ao Ministério do Trabalho para revogar a medida, chegou a classificar a portaria de "retrocesso".
Na ação, a Rede alegava que a portaria do Ministério do Trabalho
restringia "indevidamente" o conceito de “redução à condição análoga a
escravo” e condicionava a inclusão do nome de empregador na “lista suja”
do trabalho escravo e a sua divulgação à decisão do ministro do
Trabalho, o que , segundo o partido, introduziria "filtro político em
questão de natureza estritamente técnica".
Em outro trecho, o partido alegava que a portaria do Ministério do
Trabalho, "ao praticamente inviabilizar o combate ao trabalho escravo no
país", descumpre os preceitos fundamentais da Constituição referentes à
"dignidade da pessoa humana".
Procurado pelo G1 para
comentar a decisão da ministra, o Palácio do Planalto disse que o
Ministério do Trabalho era o responsável pela portaria.
"Sugerimos que
procure o Ministério do Trabalho, órgão responsável por esse assunto",
disse a assessoria da Presidência.
Em nota, o ministério voltou a defender a portaria, explicando que "sua
legalidade foi subscrita por um advogado público de carreira".
A pasta
disse ainda que busca dar "segurança jurídica" na divulgação do Cadastro
de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas
à de escravo.
Por fim, o Ministério do Trabalho afirmou que, embora a decisão seja
liminar, irá cumprir a determinação da ministra Rosa Weber (leia a íntegra da nota ao final da reportagem).
'Escravidão moderna'
Na decisão de suspender a portaria, Rosa Weber escreveu que o texto,
"ao restringir indevidamente o conceito de 'redução à condição análoga a
escravo', vulnera princípios basilares da Constituição".
A ministra contestou diretamente um dos pontos da portaria, que vincula
a configuração do trabalho escravo à restrição de liberdade.
Ela ressaltou que, segundo o direito internacional, a “escravidão
moderna” é mais sutil e o cerceamento da liberdade pode decorrer de
diversos constrangimentos econômicos, e não necessariamente físicos.
"O ato de privar alguém de sua liberdade e de sua dignidade, tratando-o
como coisa e não como pessoa humana, é repudiado pela ordem
constitucional, quer se faça mediante coação, quer pela violação intensa
e persistente de seus direitos básicos, inclusive do direito ao
trabalho digno", escreveu a ministra.
"A portaria aparentemente afasta, de forma indevida, do conjunto das
condutas equiparadas a trabalho realizado em condição análoga à de
escravo, as figuras jurídicas da submissão a trabalho forçado, da
submissão a jornada exaustiva e da sujeição a condição degradante de
trabalho, atenuando fortemente o alcance das políticas de repressão, de
prevenção e de reparação às vítimas do trabalho em condições análogas à
de escravo", completou Rosa Weber.
Nota
Leia a íntegra da nota divulgada pelo Ministério do Trabalho:
Quanto
à suspensão da Portaria n.º 1129/2017/MTb, determinada no âmbito da
ADPF - Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.º 489,
manejada perante o Excelso Supremo Tribunal Federal, o Ministério do
Trabalho assim se manifesta.
1
– A minuta de texto legal que originou a Portaria n.º 1129/2017/MTb
tramitou perante a Consultoria Jurídica do Ministério do Trabalho, órgão
setorial da Advocacia Geral da União, e sua legalidade foi subscrita
por um advogado público de carreira.
2
– Eventuais medidas jurídicas no curso da ADPF em referência serão
tratadas pelo órgão competente, qual seja, a Advocacia Geral da União.
3
– Embora se trate de uma decisão monocrática de caráter precário,
concedida liminarmente sem ouvir a parte contrária por Sua Excelência a
ministra Rosa Weber, o Ministério do Trabalho desde já deixa claro que
cumprirá integralmente o teor da decisão.
4
– Ademais, refira-se que não é a primeira vez que o assunto “lista suja
do trabalho escravo” chega ao exame da Corte Suprema, a qual já
suspendeu liminarmente a divulgação da referida listagem no início de
2015, no fluir da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 5209, tendo a
divulgação da lista em referência ficado sobrestada por quase dois
anos.
5
– Por fim, por absolutamente relevante, reitera-se o total compromisso
do Ministério do Trabalho no firme propósito de continuar aprimorando
ações de combate ao trabalho escravo no país a fim de livrar
trabalhadores dessa condição que avilta a dignidade humana, o que apenas
será alcançado quando se garantir a plena segurança jurídica na
divulgação do Cadastro de Empregadores que tenham submetido
trabalhadores a condições análogas à de escravo.
Tanto é assim que,
dentro do processo salutar de debate público afeto às democracias, o
Ministro do Trabalho já havia decidido por aceitar as sugestões da
Procuradora-Geral da República, Dra. Raquel Dodge, no sentido de
aprimorar a portaria recentemente editada, com a finalidade de se aliar
segurança jurídica ao primado da dignidade da pessoa humana, certamente
os dois pilares sobre o qual se edifica o Estado Democrático de Direito
brasileiro.
Brasília, 24 de outubro de 2017
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