Em entrevista à BBC, americana Ruth Wariner fala sobre traumas, abuso sexual e vida sem mordomias em colônia mexicana.
Ruth posa com três de seus irmãos mais novos no México (Foto: Arquivo)
A história da americana Ruth Wariner, de 43 anos, ficou guardada por muitos anos até ela decidir lançar a autobiografia The sound of Gravel ("O som de cascalho") contando os momentos de trauma e horror que viveu.
Ruth cresceu em uma seita poligâmica no México fundada pelo pai, foi abusada sexualmente pelo padrasto e viu a mãe morrer na sua frente, como contou em entrevista à BBC.
A autora era a 39ª dos 42 filhos de Joel Lebaron ─ sua mãe era uma de suas nove mulheres.
Ela conta que não chegou a conhecê-lo ─ Lebaron foi assassinado quando Ruth tinha apenas três meses de vida, em 1972.
"Ele é uma espécie de figura mitológica", explicou ao falar do fundador de uma seita que pregava a poligamia em uma colônia no México.
O que Ruth sabe dele veio de histórias que ouvia quando pequena.
Segundo ela, seu pai acreditava que era "o" escolhido, o profeta responsável por ajudar a comunidade a se desenvolver.
Seu tio Ervil também fez parte da seita durante 20 anos, mas eles se desentenderam.
A ruptura aconteceu, diz ela, quando Ervil passou a se considerar o único profeta e começou a convencer os discípulos de Joel de que ele era uma farsa.
Ruth conta que esses antigos seguidores teriam assassinado seu pai e que sua comunidade passou a conviver com o medo e as ameaças de que o tio pudesse voltar e matar outras pessoas.
Ruth não conheceu o pai, que foi assassinado poucos meses depois de seu nascimento (Foto: Arquivo pessoal)
Violência
Poucos anos depois da morte do pai, a mãe de Ruth se casou com um dos discípulos de Joel, de quem passou a ser a segunda mulher ─ o homem, que já tinha quatro filhos, teve outros seis com a mãe de Ruth.
A família, conta ela, tinha uma condição financeira difícil e era sustentada pelo dinheiro que a mãe ganhava do seguro social americano.
A casa era bem simples, ainda em obras, com apenas dois quartos, e as crianças dormiam juntas em um deles.
Ruth lembra que conseguia ouvir o barulho do vento e que passava muito frio nos dias de inverno.
As lembranças que ela tem do padrasto não são nada boas.
Ruth conta que ele era extremamente abusivo e tinha uma personalidade belicosa, expressada, muitas vezes, em agressões físicas.
Segundo Ruth, a mãe aceitava esse tipo de tratamento e não costumava questioná-lo porque achava que as mulheres deviam se subordinar aos homens.
"Era uma sociedade patriarcal", explica.
Ruth detalha em livro anos vividos em seita (Foto: James Reynolds)
Ainda criança, Ruth presenciou um episódio que não sai de sua memória: uma briga em que o padrasto jogou sua mãe no chão e bateu nela com um cinto.
"Foi aterrorizante e chocante."
Na época, a mãe decidiu deixar a casa e voltar para os Estados Unidos com os filhos.
Foi quando Ruth se deparou com uma vida completamente diferente.
"As pessoas tinham carpete, aquecedor, uma vida confortável", declarou.
Mas eles ficaram pouco mais de dois anos por lá: a mãe decidiu voltar para a casa do padrasto no México.
Aos 8 anos, Ruth começou a sofrer abuso sexual por parte do padrasto.
Ela diz que contou imediatamente para a mãe, mas que, após ele pedir desculpas e dizer que isso não voltaria a acontecer, foi perdoado.
"Foi muito triste, a minha primeira decepção", relata Ruth, que diz ter sido abusada outras vezes ─ e que havia outras vítimas.
Cena traumática
Aos 14 anos de idade, a autora teve de abandonar a escola para ajudar a tomar conta da casa e das crianças da família ─ algumas delas, diz, tinham doenças mentais.
Foi quando ela viveu uma das experiências mais aterrorizantes de sua vida.
Em um dia chuvoso, dois irmãos saíram para brincar e morreram eletrocutados em uma cerca.
A mãe veio correndo para tentar salvar os filhos e Ruth tentou avisá-la para não tocar na cerca, mas não chegou a ser ouvida.
A mãe também acabou morrendo.
"Não tinha telefone, não tínhamos carro", disse Ruth.
Ruth sofreu abuso sexual do padrasto quando tinha oito anos (Foto: Arquivo pessoal)
Fuga
Orfã, Ruth passou a cuidar sozinha das crianças, o que, segundo ela, lhe deu forças para seguir em frente.
"Tinha que salvar minhas irmãs, elas eram muito novas e vulneráveis", diz.
Ela decidiu fugir e, para isso, pediu ajuda ao irmão mais velho, que morava nos Estados Unidos.
"Você não pode nos deixar aqui, precisa vir nos buscar", pediu ela.
O irmão conseguiu resgatar Ruth e outras três irmãs mais novas em um dia em que o padrasto estava fora de casa.
Foram momentos de muita angústia ─ Ruth temia que eles fossem parados no meio do caminho por moradores da comunidade.
Mas a fuga teve um final feliz: as meninas foram morar com a avó na Califórnia.
Ela fez faculdade, mestrado e está casada há dez anos, mas não foi fácil, afirma ela, conseguir confiar em homens.
"Meu marido é o oposto dos homens que conviveram comigo durante minha infância e adolescência."
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