HAROLDO CASTRO DE ERFUD, MARROCOS (TEXTO E FOTOS)
Ainda que muito jovem, não consegui conter meus novos sentimentos.
Suas curvas eram por demais perfeitas, seu encanto tinha o poder de embriagar qualquer um – seja homem, mulher ou qualquer outro gênero.
Ao amanhecer e ao pôr-do-sol, seu fascínio sextuplicava, sua pele ganhando tons quentes e dourados.
Não falo de qualquer mulher, mas da deusa que dá formas às dunas de areia do Saara.
Sim, deusa; pois formas tão perfeitas só podem ser criadas por alguma divindade acima do reino humano.
Divindade esta feminina – a sensibilidade dos traços curvilíneos é atributo da mulher.
Meu primeiro encontro com as dunas do deserto aconteceu há mais de 40 anos, quando conheci o oásis El Oued, na Argélia, a 650 km ao sul da capital.
O significado da palavra “oued” (em árabe, rio) explica a sedução do lugar.
Um rio subterrâneo dá vida às areias do Saara e um gigantesco palmeiral verde produz toneladas de tâmaras energéticas e nutritivas.
Nunca mais me esqueci da paisagem grandiosa.
“Eu sempre amei o deserto. A gente se senta numa duna de areia.
Não se vê nada. Não se escuta nada.
E no entanto, no silêncio, alguma coisa irradia...” escreveu Saint-Exupéry em O Pequeno Príncipe.
Concordo com o autor: a beleza do deserto é invisível!
Por isso, em minhas andanças, não poupo desertos.
Do Gobi na Mongólia à Costa do Esqueleto na Namíbia. Mas o Saara é O DESERTO, o maior de todos, o mais adorado e o mais temível.
Quem leu Tuareg do espanhol Alberto Vazquez-Figueroa (recomendo vivamente) suou frio ao acompanhar a travessia da Terra Vazia de Tikdabra pelo targui Gacel.
O Saara é lugar de extremos.
Na minha última viagem ao Marrocos, fui até o extremo oriente do país para conhecer uma nesguinha do Saara.
O motorista da 4x4 que cruza a planície desértica de pedrinhas explica que estamos apenas a 22 km da fronteira com a Tunísia.
“Aquelas montanhas já estão fora do Marrocos”, afirma. “Mas a surpresa não vem de lá, ela vai aparecer na nossa frente, são as dunas de Merzuga.”
Com razão, dez minutos se passam e a terra plana acinzentada começa a ganhar outros contornos. Montes de areia alaranjada, quase vermelha, aparecem como um capricho de algum vento brincalhão.
As faixas de areia se multiplicam, ganham volume, crescem em altura e se transformam em dunas. Logo, estamos cercados por um pequeno mar de areia, o caminho acaba.
“Eu paro aqui. Poderia subir esta duna de carro, mas será mais divertido você fazer isso em um dromedário”, diz o motorista.
Quatro animais já selados nos esperam.
Eles estão ajoelhados para que possamos montar com mais facilidade.
“Segure bem a sela na hora que o animal ficar de pé”, afirma o cameleiro Hassan.
A subida, em duas etapas, como uma gangorra, seguindo os movimentos das patas traseiras e das dianteiras, é brusca.
O desavisado perde, por poucos segundos, seu sentido de orientação.
Temos poucos minutos antes do pôr-do-sol e quero aproveitar a luminosidade da hora mágica para fotografar o “erg”, o mar de areia de Merzuga.
habitantes do deserto não instalam suas habitações, mesmo se provisórias, no “erg”, na areia fofa. Preferem deixar as areias incólumes para os visitantes e morar no deserto mais firme, o de pedras, chamado “reg”.
Assim, na volta de Merzuga para Erfud, passamos por diversas moradias de beduínos, construídas como tendas ou casebres.
Embora vivam um quotidiano difícil, os beduínos sempre saúdam marroquinos e visitantes com um sorriso de boas-vindas, orgulhosos de seu modo de vida.
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