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Carajás é da China
Por Lúcio Flávio Pinto | Cartas da Amazônia – sáb, 17 de ago de 2013
A nova frente de produção que a Vale está abrindo em Carajás, no Estado do Pará, é superlativa.
Trata-se do maior investimento as mineradora em toda a sua história, de 70 anos.
Quando os 19,7 bilhões de dólares (em torno de 40 bilhões de reais) tiverem sido inteiramente aplicados, a mina de Serra Sul estará em condições de acrescentar 90 milhões de toneladas anuais à produção da ex-estatal.
Com duas outras expansões na área, a província mineral de Carajás passará de 120 milhões para 250 milhões de toneladas por ano de minério de ferro.
Isso acontecerá em 2017, quando o Pará passará à frente de Minas Gerais como a maior fonte de minério de ferro da antiga Companhia Vale do Rio Doce.
Será mais do que a relação de 250 milhões para 200 milhões de toneladas de produção entre os dois principais Estados mineradores do Brasil.
O minério de Carajás é mais rico e mais fácil de extrair.
Com a exaustão de algumas jazidas de Minas, a Vale terá que se aventurar no seu Estado de origem pelo itabirito, minério mais duro e pobre, para manter a escala de produção.
A diferença mais importante, porém, é o destino da produção.
Carajás consolidará a posição da Vale de maior vendedora interoceânica de minério de ferro do mundo.
Seu minério, com teor de hematita superior a 66%, tem mercado garantido no exterior, enquanto o produto de Minas será cada vez mais destinado a abastecer o mercado nacional.
Carajás será a principal mina de atendimento internacional que existe.
Daí a dimensão extraordinária do projeto de expansão.
Enquanto a primeira jazida levou alguns anos para chegar ao seu tamanho de projeto, de 25 milhões de toneladas, S11D dará partida já com 90 milhões de toneladas na bitola.
A partir do início das obras de terraplenagem, que aconteceu no começo deste mês, essa meta será atingida em apenas quatro anos, graças às inovações e à diretriz de investir maciçamente no empreendimento, 30% maior do que o custo da polêmica hidrelétrica de Belo Monte.
O mundo tem pressa de se servir de um minério rico, fácil de extrair e de custo proporcionalmente inferior ao de qualquer outra mina das mesmas dimensões, em valores absolutos, embora sem o mesmo teor.
Por isso, imune – ou, pelo menos, bem protegido em relação – às flutuações previstas para o setor pelos próximos anos.
Uma fonte cativa para os grandes consumidores de minério, sobretudo as siderúrgicas asiáticas, à frente a China.
Mas isso interessa realmente ao Pará e ao Brasil?
Numa entrevista que deu ao Valor, o geólogo Breno Augusto dos Santos, o primeiro a identificar o minério de ferro de Carajás, em 31 de julho de 1967 (cujos 46 anos da descoberta motivaram o interesse do jornal paulista), observou: “Se Carajás fosse na China, na Coréia ou na Alemanha, de lá estariam saindo automóveis, locomotivas ou computadores”.
E logo acrescentou: “Mas essa não é uma função da Vale”.
Não é mesmo?
Este é o aspecto chave da questão.
A Vale se livra das responsabilidades pela exploração de minério bruto alegando ser apenas uma mineradora.
Outras empresas deviam cuidar do beneficiamento.
E o governo, principalmente, devia exercer o seu papel de fomentador desses investimentos.
A empresa não tem culpa se as outras partes não fazem o que lhes cabe.
Daí a inexpressividade dos rendimentos que uma atividade de tão grande porte proporciona ao Pará.
O Estado não tem agregação de valor à sua riqueza natural e ainda é privado da receita tributária que essa atividade devia lhe oferecer, por causa da imunidade conferida às matérias primas e produtos semiacabados pela nefanda “lei Kandir”, de autoria do então deputado e economista de São Paulo, que lhe emprestou o nome.
Não é bem assim.
O Programa Grande Carajás foi induzido pela então estatal CVRD durante o início do governo Figueiredo, o último do regime militar, a partir de 1980.
Interessava à empresa ter um prospecto de aproveitamento econômico mais amplo, que valorizasse e legitimasse a concessão federal dada à ferrovia de Carajás.
Fazendo uma análise retrospectiva do “Carajazão”, delegado a um conselho interministerial, diretamente subordinado à presidência da república, pode-se chegar à conclusão de que foi um foguetório de ilusão, uma espécie de para-raios e habeas corpus a um projeto de mera extração mineral.
Um boi atirado às piranhas para permitir a passagem da boiada de minério.
Mesmo com a Vale estatal já era difícil ao governo exercer controle sobre os impulsos da empresa e a teia dos seus interesses internacionais, criados, confirmados e cultivados por seus agentes, uma autêntica tecnoburocracia cosmopolita (cujo modelo é Eliezer Batista, o pai de Eike).
Essa lacuna se acentuou com a privatização.
Tornou-se mais nítida a distinção entre os negócios feitos pela empresa no exterior e os interesses nacionais.
Mais do que distinção, o antagonismo.
Ficou evidente o interesse da Vale em agradar aos seus grandes clientes chineses, japoneses e de outros países, sem os quais sua grandiosidade estaria comprometida.
A empresa passou a atuar como viabilizadora desses interesses na medida em que se restringia à extração mineral em escala crescente para a exportação.
Adaptando a frase de Breno, pode-se dizer que nenhum governo na China, Coréia e Alemanha permitiria que uma empresa de mineração crescesse de forma a exercer controle total sobre o circuito da extração, transporte e exportação de matéria prima bruta, como faz a Vale no Brasil.
É por isso que sua parte de logística cresceram para dar suporte à sua atividade de mineradora.
Ela se agigantou ainda mais, num esquema que tem proporcionado mais divisas ao país, como nunca, mas à custa da exaustão de uma riqueza natural não renovável, como o minério de ferro.
Tente-se calcular quanto o Brasil perdeu por não ter feito o beneficiamento do minério de ferro de Carajás.
Um cálculo simples levará a muitos bilhões de dólares em quase 30 anos de extração maciça de minério bruto, que, no caso, é quase sinônimo de minério puro, tal a riqueza de hematita contida na rocha de Carajás.
Para se ter uma ideia da grandeza do novo capítulo que se inicia em Carajás, basta considerar que a Serra Sul possui 10 bilhões dos 18 bilhões de toneladas estimados de reserva, com teor médio de 66,5% de ferro.
O primeiro corpo a ser lavrado nessa mineração, que leva a letra D do título do projeto, acumula 4,2 bilhões de toneladas, com nove quilômetros de extensão, a uma profundidade de até 250 metros.
Ao ritmo previsto, a jazida terá 40 anos de vida útil.
Ao fim desse período, a maior mina de ferro do planeta será só lembrança – amarga e frustrante por certo, para os nativos.
Chegará ao fim sem motivar qualquer reação dos paraenses, que veem o buraco ser aberto sem usufruir o melhor que o minério lhes poderia dar.
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