O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso pode ser um sociólogo presidente, ou presidente sociólogo – em qualquer um dos casos, razão pela qual recebeu da Biblioteca do Congresso americano uma das premiações mais importantes das ciências humanas, o prêmio Kluge, concedido a intelectuais pelo conjunto de sua obra.
Ele indicou que continua afiado nas ferramentas das sua “dupla carreira”, ao conversar com jornalistas que lhe entrevistaram em uma imponente sala coberta de painéis de madeira, em um dos edifícios do complexo em Washington.
Político, alfinetou o seu sucessor imediato, Luiz Inácio Lula da Silva, dizendo que seu rival usou “velas” em vez de “motores” para tocar reformas de base – o que na sua opinião, teria contribuído para o processo de desindustrialização que o país está enfrentando hoje.
- De fato, por causa da taxa de câmbio e da produtividade, alguns setores da economia brasileira estão perdendo competitividade. Mas essa perda não é no chão da fábrica, é global. É no custo da energia, na má infraestrutura, no peso dos impostos – afirmou FHC.
Isso só se resolve com muitas reformas que foram paralisadas. O governo Lula paralisou as reformas. O vento soprou a favor, e ele em vez de usar motor, usou vela. Velejou bem, mas não aperfeiçoou os motores. Agora precisa voltar a mexer nessas questões, para fazer frente a uma tendência real de desindustrialização.”
Retrospecto
Comparando a condução da economia de um país à tarefa da navegação, FHC avaliou que o Brasil tem uma “ilha à vista”, da qual precisa começar a desviar já. ”A ilha qual é? Os superávits comerciais são decrescentes, porque o preço das matérias-primas voltou a cair. A exportação das manufaturas não se expandiu por causa do câmbio e da produtividade”, disse.
- O protecionismo não resolve. É bom ter um pouco de história econômica. Eu entendo que num caso ou noutro se atue em termos de erguer barreiras alfandegárias, mas como regra, olhando historicamente, isso vai fazer com que haja uma perda de produtividade.
Passando seu governo em retrospecto, o ex-presidente se queixou por ser taxado de “neoliberal” e criticado por políticas que foram continuadas nos governos posteriores. Disse que fez uma administração favorável a uma maior competição na economia brasileira.
- Os governos sempre bancam a economia. O problema é a medida. No caso do Brasil o governo às vezes até força e cria campeões – disse FHC, citando como exemplo os empréstimos subsidiados do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
- O subsídio do BNDES no último ano foi de US$ 20 bilhões (R$ 40 bilhões), mais que as bolsas. A quem foi dado esse dinheiro? A dez, doze grupos. Qual foi o critério? Não foi debatido. Isso excede, ao meu ver, o que o governo tem que fazer.
FHC disse que esta posição não significa uma oposição à mão nada invisível do BNDES.
Reconhecimento
O prêmio Kluge, de US$ 1 milhão, é concedido a intelectuais das áreas de ciências sociais e humanas, que não são cobertas pelo Nobel, e pretende ser um equivalente à premiação do comitê de Oslo.
A honraria começou a ser dada em 2003, mas não sai todo ano. O ex-presidente brasileiro é o oitavo intelectual e o primeiro latino-americano a recebê-lo.
Ao justificar a sua decisão, os organizadores do prêmio disseram que FHC combina “o estudo profundo com respeito pela evidência empírica”.
Sua obra principal é o trabalho pioneiro escrito nos anos 1960 com o colega chileno Enzo Faletto, Dependência e Desenvolvimento, que discutia a posição dos países periféricos em relação às economias ricas.
Para os organizadores do prêmio, a teoria de FHC ajudou a mostrar que os países periféricos “podem fazer escolhas inteligentes e estratégicas” para promover modernização e desenvolvimento, mesmo estando em desvantagens em relação às nações industrializadas.
Na prática, afirmou FHC, as políticas do seu governo integraram o Brasil no sistema capitalista internacional de forma a “assentar as bases para a ascensão (do país) à proeminência mundial”.
Agradecendo o prêmio, FHC disse que o prêmio “não se deve só a mim”, mas a este avanço do Brasil. “Passamos a ser uma fonte de interesse global e portanto alguém que escreve sobre o Brasil e é brasileiro se qualifica para receber esse prêmio”, disse.
O ex-ocupante do Planalto disse que “não são os presidentes” os responsáveis pela continuidade no avanço de uma sociedade como o Brasil. ”É o povo, é o processo democrático, é a sociedade brasileira que está evoluindo. Não foi um presidente que fez a democracia ou a Constituição. Foram as lutas, as Diretas Já, as greves, a briga na Constituinte, o sentimento de que era necessário crescer”, disse.
- O presidente está lá. Às vezes ele atrapalha, às vezes ele acelera (o avanço).
Eu acho que eu acelerei.
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