Um relatório da Polícia Federal obtido com exclusividade por ÉPOCA comprova os elos entre o esquema de Carlinhos Cachoeira e o governador de GoiásNo dia 27 de junho, o Núcleo de Inteligência da Polícia Federal remeteu à Procuradoria-Geral da República um relatório sigiloso, contendo todas as evidências de envolvimento do governador Marconi Perillo com o esquema da construtora Delta e do bicheiro Carlinhos Cachoeira. Como governador de Estado, Perillo só pode ser investigado pelo procurador-geral da República – e processado no Superior Tribunal de Justiça. O relatório, a que ÉPOCA teve acesso com exclusividade, tem 73 páginas, 169 diálogos telefônicos e um tema: corrupção. O documento está sob os cuidados da subprocuradora Lindora de Araújo, uma das investigadoras mais experientes do Ministério Público. Ela analisará que providências tomar e terá trabalho: são contundentes os indícios de que a Delta deu dinheiro a Perillo. Alguns desses 169 diálogos já vieram a público; a vasta maioria ainda não. Encontram-se nesses trechos inéditos as provas que faltavam para confirmar a simbiose entre os interesses comerciais da Delta em Goiás e os interesses financeiros de Perillo. Explica-se, finalmente, o estranho episódio da venda da casa de Perillo para Cachoeira, que não foi bem entendido. Perillo nega até hoje que tenha vendido o imóvel a Cachoeira; diz apenas que vendeu a um amigo. O exame dos diálogos interceptados fez a Polícia Federal, baseada em fortes evidências, concluir que: 1) assim que assumiu o governo de Goiás, no ano passado, Perillo e a Delta fecharam, diz a PF, um “compromisso”, com a intermediação do bicheiro Carlinhos Cachoeira: para que a Delta recebesse em dia o que o governo de Goiás lhe devia, a construtora teria de pagar Perillo; 2) o primeiro acerto envolveu a casa onde Perillo morava. Ele queria vender o imóvel e receber uma “diferença” de R$ 500 mil. Houve regateio, mas Cachoei¬ra e a Delta toparam. Pagariam com cheques de laranjas, em três parcelas; 3) Perillo recebeu os cheques de Cachoeira. O dinheiro para os pagamentos – efetuados entre março e maio do ano passado – saía das contas da Delta, era lavado por empresas fantasmas de Cachoeira e, em seguida, repassado a Perillo. Ato contínuo, o governo de Goiás pagava as faturas devidas à Delta; 4) a Delta entregou a um assessor de Perillo a “diferença” de R$ 500 mil; 5) a direção nacional da Delta tinha conhecimento do acerto e autorizou os pagamentos. Para compreender as negociações, é necessário conhecer dois personagens, que chegaram a ser presos pela PF. Um é o tucano Wladmir Garcez, amigo de Perillo e ex-presidente da Câmara de Vereadores de Goiânia. Garcez atua como uma espécie de embaixador de Perillo junto à Delta e à turma de Cachoeira: faz pedidos, cobra valores, entrega recados. O segundo personagem é Cláudio Abreu, diretor da Delta no Centro-Oeste e parceiro de Cachoeira no ataque aos cofres públicos de Goiás. Na hierarquia da Delta, Abreu detinha a responsabilidade de obter contratos públicos para a construtora e – o mais difícil, custoso – assegurar que os governantes liberassem os pagamentos em dia. A corrupção neste caso, como em tantos outros, nasce na oportunidade que o Poder Público oferece: um detém a caneta que pode liberar o dinheiro; outro detém o dinheiro que pode mover a caneta. Na simbiose entre a Delta e o governo de Goiás, Garcez e Abreu eram os sujeitos que se dedicavam a fazer o dinheiro girar, multiplicar-se. Não há caixa de campanha ou questiúncula política nessa história. O objetivo era ganhar dinheiro. A PF começou a monitorar as atividades ilegais das duas turmas, de Perillo e da Delta, em 27 de fevereiro do ano passado. Naquele momento, Perillo cobrava o pagamento do “compromisso” da Delta. Num diálogo interceptado pela PF às 20h06, Cachoeira pede pressa a Abreu. Disse Cachoeira: “E aquele trem (dinheiro) do Marconi (governador), hein? Marconi já falou com o Wladmir (Garcez), viu”. Abreu chora miséria, como bom negociante. “Vou falar amanhã que não tem jeito”, diz Cachoeira. “Mas não é 2 milhões e meio, não. Ele (Marconi) quer só a diferença.” Cachoeira refere-se, aqui, à operação de venda da casa, o assunto mais urgente naquele momento. Abreu faz jogo duro: “Pois é, doutor, eu não tenho como. Do mesmo jeito que o Estado tá com o orçamento fechado, eu também tô”. O jogo é simples: uma parte quer que a outra aja antes. Perillo quer o dinheiro antes de liberar a fatura; Abreu, da Delta, quer a fatura paga antes de liberar o dinheiro para Perillo. Pede tempo. Nervoso com a lentidão de Abreu, Cachoeira resolve dar prosseguimento ao negócio com Perillo – e cobrar depois da Delta. A partir daí, o acerto realiza-se com rapidez. Ainda no dia 28, Garcez informa a Cachoeira que Perillo quer cheques nominais. Combinam a entrega de três cheques para o dia seguinte, às 14 horas: dois de R$ 500 mil e um de R$ 400 mil, depositados no dia 1o de cada mês. Em seguida, no dia 1o de março, Cachoeira faz a operação: pede ao sobrinho que assine os cheques, avisa a Delta e manda entregar os cheques no Palácio das Esmeraldas, sede do governo de Goiás. Às 14h53, Garcez, que estava no Palácio, confirma a Cachoeira que os cheques foram entregues e avisa que levará a escritura do imóvel no dia seguinte. Doze minutos depois, Cachoei-ra já pede a contrapartida a Garcez: “O trem da Delta, aqueles 9 milhões que o Estado tem de pagar... Você levou para mostrar para ele (Perillo)?”. Garcez confirma: “Tá comigo aqui. Oito milhões, quinhentos e noventa e dois, zero quarenta e três”. Às 16h37, Garcez informa a Cachoeira que está no gabinete do governador, entregando os cheques. Em seguida, Garcez comunica a Abreu que os problemas da Delta acabaram. “(Perillo) falou que vai resolver: ‘Não, pode deixar que isso aqui eu resolvo’”. E resolveu: ainda no dia 1o de março, o governo de Goiás liberou R$ 3,2 milhões para a conta da Delta. No dia seguinte, o cheque de R$ 500 mil foi depositado na conta de Perillo. No dia 3 de março, Cachoeira comemora com Abreu a “porta aberta” com Perillo. “Ele (Perillo) engoliu aqueles 500 mil... Ele (Perillo) responde em tudo, deu as contas para pagar”, afirma Cachoeira. Cachoeira pediu a seu sobrinho Leonardo Ramos, que costuma assessorá-lo, para que preparasse um contrato de compra e venda no nome de um laranja – e começou a chamar amigos para conhecer a linda casa que comprara de Perillo. No dia 25 de março, o governo de Goiás liberou mais um pagamento de R$ 3,2 milhões para a conta da Delta. Enquanto os pagamentos caíam nas contas da Delta, a Delta cobria, por meio de uma empresa laranja, os cheques dados por Cachoeira. Não demorou para Cachoeira perceber que morar na antiga casa do governador de Goiás lhe traria problemas. Num diálogo com sua mulher, Andressa Mendonça, em 17 de maio (leia na página ao lado), Cachoeira compartilhou seu temor por telefone: “Esse trem não vai dar certo (da casa). Vão acabar sabendo que é minha”. Cachoeira começou, então, a procurar um modo de se desfazer do imóvel, apesar dos protestos de Andressa, que já decorara a casa e adorava o lugar. As conversas interceptadas pela PF mostram em detalhes como Cachoeira repassou a casa para um terceiro, o empresário Walter Santiago, sem aparecer. Para isso, recorreu à ajuda de Garcez, que coordenou a transação. Garcez assegurou ao empresário que a casa era de Perillo. No dia 12 de julho, Walter Santiago, rodando num carro blindado, encontrou-se com Garcez e lhe entregou R$ 2,1 milhões em dinheiro vivo. Cachoeira orientou Garcez pelo telefone: “Manda trazer o dinheiro aqui no Excalibur (prédio onde mora Cachoeira), entendeu? Manda o professor (Walter Santiago) trazer no Excalibur, porque ele tá com carro blindado”. Em seguida, Garcez informou a Cachoeira que Lúcio Fiúza, então assessor especial de Perillo, estava com eles no carro. Responde Cachoeira: “Então pega tudo e vem para casa. Dá só os quinhentos na viagem para o doutor Lúcio. (...) Já fala para o doutor Lúcio pegar os cem também (parte do assessor de Perillo). É dois e cem, viu (R$ 2,1 milhões, o dinheiro a ser entregue)? Pega os cem logo e já mata ele, ou então já fala a data que ele tem de entregar”.
Não fica claro se os R$ 500 mil para Fiúza
referem-se à parte de Perillo nessa segunda operação – ou se era um pagamento pendente por outra razão. Também nessa segunda operação, Cachoeira recebeu – e distribuiu a gente próxima a Perillo – mais dinheiro do que valia o imóvel. Cachoeira confirma isso num diálogo com Andressa, ainda no dia 12. Andressa pergunta por quanto ele vendeu a casa. “Dois e cem”, diz Cachoeira. “Esse trem é do Marconi e não ia dar certo, não. Tem de passar logo esse trem para o nome dele (possivelmente o empresário Walter). Porque eu vou perder um trem de bilhões por causa de um negócio à toa.” Andressa não quer saber de negócios ou dinheiro. Quer saber da prataria da casa e das coisas bonitas e caras que comprou para decorá-la. “Você explicou para ele (empresário Walter) que roupa de cama, coisa pessoal, acessório de banheiro, nada disso vai, né?”, diz Andressa. Cachoeira se irrita: “Deixa a roupa de cama do jeito que tá lá. Não faça isso, não. Pega as pratarias que o Wladmir escondeu lá dentro”. “Eu não vou deixar roupa de cama de 400 fios para ele, não. Cê tá louco?”, diz Andressa. Cachoeira, então, confessa o preço real da casa e revela a existência da “diferença”. “Deixa do jeito que tá. Aquilo lá custou quanto? Afinal, eu comprei ela (a casa) por mil (R$ 1 milhão), vendi por mil e quinhentos (R$ 1,5 milhão). Tá bom, me ajudou a vender.” A conta é a seguinte, segundo a PF: o empresário Walter Santiago pagou R$ 2,1 milhões pela casa. Destes, R$ 100 mil foram para Fiúza, o assessor de Perillo, R$ 500 mil para Perillo, levados por Fiúza – e o restante, R$ 1,5 milhão, para Cachoeira. O que Cachoeira fez depois de receber o R$ 1,5 milhão? Ligou para a Delta. Confirmou o recebimento do dinheiro e perguntou a Abreu se o contador da Delta já fora avisado. Abreu disse que estava ao lado de Carlos Pacheco, principal executivo da Delta, a quem Abreu chama de “chefe”. Abreu disse: “Eu falei com o chefe aqui, viu, amigo? Ele falou que era para você guardar esse dinheiro, era para você aplicar lá no entorno (entre Brasília e Goiás), no projeto. Que o projeto lá vai exigir uns 4 milhões e meio, mas eu falo com você pessoalmente”. A PF não descobriu que projeto seria esse. Mas a fala de Abreu deixa claro o que outros diálogos confirmam: a direção da Delta nacional não só sabia das operações de Cachoeira no Centro-Oeste, como coordenava algumas negociações. Até agora, a Delta insiste na versão segundo a qual Abreu agia sozinho. E manteve sua linha de defesa, após ÉPOCA questionar a empresa sobre as novas evidências. Por meio de uma nota, a Delta afirma não ter conhecimento da apresentação de uma fatura da empresa ao governador Marconi Perillo, nem da visita de Wladmir Garcez ao Palácio de governo para resolver um assunto da empreiteira. A nota também afirma: “Empresas de construção civil que atuam no setor público, como a Delta, precisam zelar e velar pelo recebimento pontual e em dia dos compromissos assumidos a fim de não ocorrer solução de descontinuidade nas obras”. A empresa diz ainda que o ex-presidente Carlos Pacheco nunca teve relação comercial com Cachoeira e que a empresa tem prestado esclarecimentos necessários aos órgãos instituídos. Perillo também preferiu não prestar esclarecimentos a ÉPOCA. Não respondeu às perguntas sobre eventuais conversas para discutir pagamentos da Delta e sobre a relação desses pagamentos com a venda da casa. Em nota, limitou-se a dizer que “prestou, por meses a fio, todos os esclarecimentos solicitados pela imprensa, pela sociedade e pela CPI”. Perillo criticou ainda o deputado Odair Cunha (PT-MG), relator da CPI do Cachoeira. Disse que o deputado quer transformar a CPI numa “comissão de investigação do governador Marconi Perillo”. Diz ainda a nota: “No exaustivo crivo a que foi submetido, nenhum fato se encontrou que possa desabonar sua biografia (de Marconi Perillo) de cidadão ou de homem público. Ao contrário, a Receita Federal, por exemplo, emitiu nota técnica na qual atesta que o patrimônio do governador é compatível com seus rendimentos. Portanto, o governador Marconi Perillo informa que, considerando já devidamente esclarecidos os assuntos de fato relevantes, não se pronunciará mais a respeito de questões atinentes a sua vida privada, reservando essa providência, como é natural, unicamente para os assuntos relacionados a suas atividades como governador do Estado”. Perillo depôs na CPI do Cachoeira há um mês, quando começavam a se acumular evidências de que ele mantinha relações com a empreiteira Delta e com Cachoeira. Na ocasião, foi claro: “O senhor Carlos Cachoeira não teve a menor participação na venda da casa. (A venda da casa) foi feita de forma transparente ao atual empresário Walter Paulo. (...) Os valores (da venda da casa) foram de acordo com o mercado”. Até agora, desconfiava-se que as três afirmações não eram verdadeiras. Agora, com o relatório da PF, sabe-se que são falsas: Cachoeira participou da compra da casa, a operação aconteceu na sombra e o valor da venda foi superior ao de mercado. Perillo também disse à CPI: “De forma desavisada ou maldosa, vejo, aqui ou acolá, afirmações de que o senhor Carlos Augusto, o Cachoeira, teria influência em meu governo”. Os diálogos interceptados pela PF e a cronologia do pagamento das faturas à Delta revelam que Cachoeira tinha, sim, influência. Outra frase de Perillo: “Falaram (nos diálogos até então divulgados) sobre seus planos (da turma de Cachoeira), mas nada se concretizou. Nada! Reafirmo: nada se concretizou”. Aqui, mais uma vez, as cobranças da Delta ao amigo de Perillo, os cheques compensados nas contas de Perillo e o consequente pagamento das faturas da Delta apontam o contrário. Por fim, Perillo bradou na CPI: “Não tem propina no meu Estado”. É uma afirmação ousada. Os delegados da Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República, ao que parece, discordam. |
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sábado, julho 14, 2012
Como a Delta pagou Perillo
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