Odete Hoffmann, de 86 anos, deu três tiros em um assaltante que invadiu sua casa no sábado (9). Ela pode responder por não ter registro da arma.
Uma vovó de 86 anos enfrentou um assaltante dentro de casa atirando.
Uma senhorinha vaidosa e de expressão serena. A três meses de completar 87 anos, Dona Odete Hoffmann Pra acaba de viver uma história que prefere apagar da cabeça: “Quero esquecer isso tudo para aliviar a minha memória”, diz.
Ela mora sozinha no segundo andar de um prédio em Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul. Caminha com dificuldade, por causa do reumatismo e da artrite. Mas encontrou forças para se defender de um homem que invadiu o seu quarto na tarde de sábado (9). Ela havia acabado de despertar de um cochilo.
“Estava só observando, falando com ele carinhosamente, pensando que era o meu neto. ‘Mas como é que você entrou aqui? Por onde você entrou?’. E ele não me dava confiança e fez assim para mim: ‘se acalma’, com o rosto virado para o outro lado. E saiu de costas. E daí olhei bem e percebei que não era o meu neto”, conta Dona Odete.
Ela achou melhor se proteger. “Eu vim aqui e disse assim: ‘será que eu encontro ainda o meu revólver?’".
A arma, herança da família há mais de 50 anos, é um revólver calibre 32. “Levantei sem aparelho, sem óculos, sem muleta, sem nada. Eu fui ao quartinho e olhei, estava tudo intacto. Eu fui à procura dele, para cá e para lá e não estava. A porta estava bem aberta e ele estava bem na frente da grade falando comigo: ‘sua velha, isso, aquilo, abre esse portão’. Quando ele levantou os braços, que eu vi que ele vinha saltar em mim, foi o momento que eu dei o primeiro tiro. E me apavorou aquilo porque eu nunca tinha feito, eu nunca tinha visto. E depois ele resvalou e foi para o chão. Me deu a impressão que ainda ia acontecer uma coisa, aí dei mais dois tiros. Foi o fim. Me lembrei do celular do Airton, meu genro, telefonei para ele. Eu disse: ‘Airton, eu matei um homem! Airton, matei um homem!’. Achavam que eu estava sonhando”, lembra.
Quando a polícia chegou, encontrou o ladrão caído no chão. Marcio Nadal Machado, conhecido como Cachorrão, tinha 32 anos. Estava em liberdade provisória havia um mês. Já tinha sido preso por roubo, furto e tráfico de drogas.
“Nunca tinha usado um revólver na vida. A arma estava guardada. Depois que eu atirei, eu senti dor no meu dedo. Estava muito mais grosso do que agora”, diz Dona Odete.
O apartamento da Dona Odete já foi invadido outras cinco vezes por bandidos, segundo a família. Eles entraram, furtaram pequenos objetos, comida e bebida. Os filhos decidiram reforçar a segurança e colocaram uma grade bem na porta de entrada. Como encontrou tudo trancado, o assaltante procurou outra forma de acesso. A suspeita é de que o ladrão tenha entrado por uma janela que fica na sala. Ele teria vindo de baixo, de um apartamento que fica no primeiro andar e está fechado para alugar. Teria subido por um vão até chegar ao local.
“Você não pode admitir que alguém vai entrar na sua casa por uma janela e que você vai ficar esperando o que ela vai fazer contigo”, diz Régia D’Arc Pra, filha de Dona Odete.
Para os advogados ouvidos pelo Fantástico, este é um caso de legítima defesa. “Ela usou os meios que ela tinha no momento: uma arma. E ela atirou até que ela conseguisse perceber que aquela pessoa que estava dentro da casa dela não punha mais em risco a vida dela”, avalia o advogado criminal Carlos Kauffmann.
Dona Odete deu três tiros. Será que a Justiça pode considerar essa reação exagerada? “Eu posso dar três, quatro, cinco ou dez tiros em uma pessoa dentro da legítima defesa. O excesso é tudo aquilo que se pratica quando a violência já tinha sido afastada”, explica o advogado criminal Maurício Zanoide de Moraes.
Ou seja, pela lei, a vítima pode continuar reagindo enquanto se sentir ameaçada.
Em outro caso que aconteceu nesta semana, em Fortaleza, Aurino Amaro Albuquerque, de 73 anos, não pensou duas vezes quando um homem de moto anunciou o assalto na porta de uma academia. O aposentado, que estava com a filha, atacou o ladrão com a muleta, para defender a moça. Deu vários golpes. “Eu já tinha dado o primeiro, aí não teve mais como parar. Só parei quando ele foi embora”, conta.
Mas, para a polícia, o melhor mesmo é não reagir. O delegado Joigler Paduano, que investiga o que aconteceu com Dona Odete, diz que ela correu riscos: “Se o ladrão estivesse acompanhado de outra pessoa, talvez o desfecho não fosse esse”, alerta.
Ele ainda não sabe se vai indiciá-la por homicídio, mas disse que Dona Odete pode responder por não ter registro do revólver: “Todas as pessoas que detêm uma arma de fogo na sua residência de maneira irregular respondem pelo delito de posse ilegal de arma de fogo, não importa a idade da pessoa”, avisa.
Quando receber o inquérito, a promotora Silvia Becker Pinto pretende arquivar o caso. “A minha postura é de senso comum, como a imensa maioria dos cidadãos brasileiros, que analisando o caso, diante das circunstâncias postas na imprensa, entendem que ali está escancarado um caso de legítima defesa”, afirma.
“Eu vi que era melhor ter feito isso, que era mais preciso a minha vida do que a dele. Não me arrependi do que aconteceu, mas eu não queria ter feito”, diz Dona Odete.
Nenhum comentário:
Postar um comentário