A ausência de projeto político dos prefeitos da nova safra |
Celso Daniel |
1. Muitas obras e pouca inteligência
Estamos
próximos das eleições municipais. Sinto que não há nem lapso de algo
que se aproxime de um projeto de desenvolvimento municipal. Há,
evidentemente, uma relação direta com o esvaziamento orçamentário dos
municípios. Já afirmei em outros momentos que os prefeitos brasileiros
se transformaram em gerentes de convênios estaduais ou - principalmente -
federais. Uma breve análise da curva de popularidade dos prefeitos nos
últimos dois anos indica a correspondência entre obras federais
inauguradas e pesquisas de avaliação da gestão.
O
que mais assusta é a repetição de erros passados. O boom de
investimentos públicos nos anos 1960 e 1970, sem qualquer planejamento
integrado, explodiu em inchaços nas grandes cidades, principalmente do
centro-sul do país. Concentramos renda e obras. Invadimos áreas de
mananciais. Crescemos de maneira desordenada.
Sustento
que logo estaremos presenciado algo do gênero.
Praças da Juventude, Casas Populares, extensão de universidades federais, criação de núcleos de institutos federais, construção de creches são necessidades históricas da nossa população. Mas não percebo nenhum planejamento que integre tais obras que, quase sempre, são dádivas que são oferecidas por caminhos apartados: de emendas parlamentares à ação junto aos escaninhos de cada ministério ou autarquia pública. As prefeituras, que poderiam agregar obras a partir de um projeto estratégico, só sabem somá-las ao "scout" de votos em cada bairro ou segmento social.
Praças da Juventude, Casas Populares, extensão de universidades federais, criação de núcleos de institutos federais, construção de creches são necessidades históricas da nossa população. Mas não percebo nenhum planejamento que integre tais obras que, quase sempre, são dádivas que são oferecidas por caminhos apartados: de emendas parlamentares à ação junto aos escaninhos de cada ministério ou autarquia pública. As prefeituras, que poderiam agregar obras a partir de um projeto estratégico, só sabem somá-las ao "scout" de votos em cada bairro ou segmento social.
A opulência atual de obras não está acompanhada de inteligência.
Não
há qualquer empenho em alterar a cultura política local ou o grau de
desorganização social da grande maioria dos nossos municípios. O
conservadorismo da ação política é evidente.
2. De onde vem a ausência de projeto?
Não
vou listar muitas hipóteses para responder a questão acima. Vou me
concentrar numa possibilidade, pouco comentada e, por este motivo,
atrativa para esta ponderação.
Nos
anos 1980 emergiu uma corrente de prefeitos, embalados pelo
municipalismo ou pela redemocratização, que pensavam longe. Não vou
retomar o que uma ampla literatura já descreveu. Mas cito o caso de
Lages, que teria iniciado uma vaga de iniciativas de gestão
compartilhada, o participacionismo no processo decisório de órgãos
públicos.
Do
ponto de vista partidário, a inovação municipal veio do MDB, depois se
espraiou pelo PMDB (em parte), PDT e PT. Esses partidos tentaram criar
alguma reflexão sobre modelos de gestão municipal. O PT chegou a dar um
título: jeito petista de governar. Falava em inversão de prioridades. O
PMDB foi rareando suas reflexões mais ousadas com a lenta queda do
refrão municipalista, que se arrastou até meados dos anos 1990. A
substituição do trabalhismo pelo lulismo foi diminuindo, na mesma toada,
o ímpeto pedetista, que foi se concentrando na lógica sindical, como se
percebe nitidamente nos dias atuais.
Restou
o PT, até 2004. A partir daí, com orçamento público concentrado na
União (entre 55% e 60% do total) e as benesses caindo em cascata a
partir de Brasília, o jeito petista deixou de ser o de governar, mas o
de construir uma ampla agregação de forças políticas, numa espécie de
neogetulismo.
O
que gostaria de sugerir é a hipótese de uma mudança interna na
elaboração dos partidos mais progressistas, comprometidos com a
transformação política e social dos municípios.
Ocorre,
em quase todos partidos, a construção quase sem reações internas, de
uma nítida hegemonia pragmática, de operadores políticos, que quase
sempre aproximam agentes econômicos da prática partidária. Daí nascem
alguns escândalos atuais. Números e negociações para aproximação
substituem projetos para os municípios. Nomes e cargos substituem a
preocupação com bairros e lideranças sociais.
Lideranças
vinculadas à movimentos sociais, ONGs e instâncias das correntes mais
progressistas das igrejas do país começaram a se dispersar. Perderam
poder e financiamento. Lideranças católicas, comprometidas com a
Teologia da Libertação, foram sendo substituídas por lideranças mais
personalistas, mesmo que vinculadas à estrutura eclesial. Não falam mais
para fora, não organizam populações despossuídas ou marginais. Não
trabalham temas polêmicos. São mediadores ou negociadores. Alguns se
tornaram proprietários de feudos partidários regionais. Diretórios
municipais e vereadores se articulam, invariavelmente, a deputados. Caso
contrário, falam sozinhos.
Essas
lideranças político-religiosas são, hoje, pragmáticas e pensam que a
experiência religiosa é pessoal, tal como sugere a Renovação
Carismática. Não é uma construção coletiva. É pessoal. O peso da ação
individual é maior, neste caso. O nome é maior que o mandato coletivo.
Tal convicção cria um "protocolo político", um jeito de fazer política a
partir da personalidade do líder regional.
Cito
este segmento específico dos dirigentes de origem religiosa porque por
muito tempo se consolidaram como energia moral do engajamento social das
ações políticas nos municípios.
Sem
esta energia moral, o engajamento na Pólis vai minguando. Os grupos que
se digladiam pelo poder interno são acometidos de miopia política. O
que, quase sempre, redunda em conservadorismo ideológico.
As
eleições de outubro, portanto, possivelmente serão as que apresentarão
conteúdos mais anódinos ou conservadores do ponto de vista de um projeto
de desenvolvimento municipal. Porque os candidatos, com raras exceções,
não pensam seu município. Pensam meramente no certame. Os poucos que se
arriscam a dar um passo adiante se isolam em seus próprios partidos.
São até elogiados. Mas não têm poder real.
Assim, dificilmente veremos outro Celso Daniel surgindo nos próximos anos no cenário político brasileiro.
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