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sábado, setembro 03, 2016

Campanha internacional denuncia genocídio dos Awá-Guajá na Amazônia

Ator inglês Colin Firth, vencedor do Oscar por O Discurso do Rei, aparece em vídeo pedindo providências do governo brasileiro para proteger "a tribo mais ameaçada do mundo"

 


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“Se deixarmos os Awá desaparecerem, perderemos não somente uma parte vibrante da diversidade humana do nosso planeta, uma linguagem única e uma parte do conhecimento da Amazônia, mas também jogaremos fora uma parte de nós mesmos e do significado de ser humanos”, afirma Fiona Watson

O ator inglês Colin Firth, vencedor do Oscar em 2011 por sua atuação em O Discurso do Rei, pede ao governo brasileiro que tome medidas urgentes para proteger a tribo dos Awá-Guajá, na Amazônia. 

Firth faz o apelo em um vídeo divulgado nesta quarta-feira pela ONG Survival International, que tem sede no Reino Unido. 

De Londres, Sarah Shenker, representante da Survival, afirma que há indícios para chamar de genocídio o que está acontecendo com os índios da tribo, que, segundo a ONG, é uma das únicas duas comunidades nômades restantes na Amazônia, ainda dependente da caça e dos alimentos que coletam da selva. 

“Madeireiros ilegais têm tentado matar deliberadamente os Awás. 

Se não forem parados, a tribo vai se extinguir”, afirma Sarah.

A campanha tende a ganhar repercussão com a aproximação da Rio+20, que será realizada em junho no Rio de Janeiro. 

O apelo da ONG é para que o governo crie um monitoramento efetivo das reservas delimitadas pela Funai para que o território de onde o povo nativo tira o seu sustento seja preservado. 

Além de fazer parte da campanha da ONU pelo direito de vida aos povos nativos, o que torna o problema dos Awás no Brasil uma questão internacional, segundo Sarah, é que o desmatamento da área onde vive a tribo, no noroeste do Maranhão, se deve principalmente à implementação da indústria de minério de ferro na Serra dos Carajás, que contou com financiamento do banco mundial e da então Comunidade Econômica Europeia na década de 1980. 

“O dinheiro do contribuinte europeu também influenciou na destruição do habitat desses povos. 

Então é natural que devamos contribuir para a sua proteção”, afirma.

A tribo Awá-Guajá tem cerca de 360 sobreviventes – sendo que cem deles jamais tiveram contato com o homem branco. 

Devido à ação violenta de madeireiros ilegais e de fazendeiros que invadem as reservas, a Survival considera que os Awás sejam a tribo mais ameaçada de extinção no planeta.

Junto com a campanha, a ONG lançou um site com informações, fotos e vídeos sobre a tribo. 

Um dos vídeos divulgados exibe imagens feitas por equipes da Funai mostrando um carregamento ilegal de madeira próximo à área de proteção dos índios. 

Como os caminhoneiros andam armados, os fiscais têm dificuldade em interceptá-los nas estradas.
Colin Firth faz apelo ao ministro da Justiça do Brasil e ao público, para cobrar proteção aos índios Awá, considerados a tribo mais ameaçada do mundo
Colin Firth faz apelo ao ministro da Justiça do Brasil e ao público, para cobrar proteção aos índios Awá, considerados a tribo mais ameaçada do mundo (VEJA).

“Se deixarmos os Awá desaparecerem, perderemos não somente uma parte vibrante da diversidade humana do nosso planeta, uma linguagem única e uma parte do conhecimento da Amazônia, mas também jogaremos fora uma parte de nós mesmos e do significado de ser humanos”, afirma Fiona Watson, que tem contato com os índios desde 1992. 

Segundo ela, que encontrou um casal de Awás que fugia de pistoleiros contratados por invasores da reserva e acompanhou seu progresso sob os cuidados da Funai, a tribo é resistente e pode sobreviver se os perímetros da área preservada forem respeitados. 

“Os Awá carregam a essência do significado de ser humano – que é viver em comunidade e tomar conta uns dos outros, compartilhar os bons e maus momentos e compreender o ambiente em que vivem. 

Eles estão entre os povos mais autossuficientes do planeta”, afirma.

Colin Andrew Firth, 52 anos, que ficou conhecido no Reino Unido por interpretar Mr. Darcy na adaptação da BBC para o clássico Orgulho e Preconceito, de Jane Austin, em 1995, sempre esteve envolvido com as campanhas da ONG. 

De acordo com a Survival, partiu dele a iniciativa para participar da campanha. 

“Logo que ficou sabendo da nossa iniciativa para a proteção dos Awás, Colin se ofereceu para participar”, conta Sarah.

A campanha propõe que, pela internet, apoiadores da causa enviem a seguinte mensagem ao ministro da Justiça do Brasil, via e-mail, ou compartilhem o texto pelo Facebook: “Os Awá isolados estão fugindo para salvar suas vidas conforme madeireiros, fazendeiros e colonos invadem a sua terra. 

Por favor, use a sua autoridade para remover os invasores e mantê-los fora da terra para sempre”.





Por que a Vale foi eleita a pior empresa do mundo?


No mesmo ano em que celebrou seu 70º aniversário, a mineradora também recebeu um indesejado prêmio, proposto por movimentos sociais da Amazônia 

Duas visões de mundo se confrontam no 16º andar do edifício localizado no cruzamento da avenida Graça Aranha com a rua Santa Luzia, no centro do Rio de Janeiro. 

Desta vez, longe das câmaras de TV que meses antes registraram, na mesma esquina, o congestionamento provocado pela concentração de mais de duas mil pessoas que vieram da Cúpula dos Povos – o encontro dos movimentos sociais paralelo à Rio+20 –, trazendo faixas pedindo o veto da presidente Dilma Rousseff ao novo Código Florestal e a paralisação das obras da hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, obra emblemática do Plano de Aceleração de Crescimento (PAC) do governo federal que se tornou causa mundial do ativismo ambientalista e de apoio aos indígenas.

As fotografias estavam proibidas na reunião de 31 de outubro entre o comitê da Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale e Murilo Ferreira, o presidente da segunda maior mineradora do mundo, acompanhado de seu staff: a diretora de Sustentabilidade e Energia, Vânia Somavilla; Isis Pagy, diretora do Departamento de Relacionamento com as Comunidades; mais três ou quatro assessores que não se apresentaram aos visitantes.

Foi um desses assistentes que pôs fim ao suspense que se instalou no ambiente quando a advogada Andressa Caldas, a última a falar pelo comitê, estendeu o Public Eye Awards 2012 para o anfitrião, Murilo Ferreira, que o deixou pairando no ar. 

O funcionário apanhou o troféu das mãos da representante da ONG Justiça Global e colocou discretamente embaixo da mesa o símbolo conferido à “pior empresa do mundo” desde 2000 promovido anualmente pelas ONGs Greenpeace e Declaração de Berna, com o objetivo de expor violações ambientais e sociais das corporações internacionais.

Os 25 mil dos 88 mil votos totais obtidos na rede mundial foram suficientes para ofuscar o logotipo verde-amarelo da Vale S/A, empresa de capital aberto com acionistas brasileiros e estrangeiros que receberam US$ 9 bilhões em dividendos no ano passado, provenientes de suas atividades em 37 países. 

E empanar o brilho do aniversário de 70 anos da empresa que se tornou símbolo de progresso para os brasileiros desde que o presidente Getúlio Vargas criou a Companhia Vale do Rio Doce S/A, nacionalizando a empresa de origem inglesa que extraía minério de ferro em Itabira, Minas Gerais.
Murilo Ferreira, pós-graduado em finanças pela Fundação Getúlio Vargas e especializado em administração e marketing, entrou na companhia em 1998, menos de um ano depois da privatização da Vale – também sob protestos – pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.

 Até hoje, 69 ações contestam a transação na Justiça.

Por isso, a reação do presidente ao prêmio surpreendeu o padre Dario Bosso, que fazia parte do comitê. 

“Ele fez uma fala agressiva, nacionalista, quase beirando a xenofobia. 

Disse que não considerava prêmios internacionais – ‘nem os que valorizam, nem os que criticam’ – concedidos por organizações estrangeiras que ‘querem bloquear o desenvolvimento do Brasil’, e que o prêmio tinha o claro intento de denegrir a imagem da Vale e alimentar a concorrência estrangeira, depois saiu da sala sem despedir de ninguém”, conta, com leve sotaque italiano, o missionário comboniano, que há anos trabalha na defesa dos direitos humanos no Maranhão.

Além do padre e de seu companheiro na Rede Justiça nos Trilhos, o advogado Danilo Chammas, compunham o comitê o diretor da Sociedade Paraense de Defesa de Direitos Humanos, Marco Polo Santana Leão, o sindicalista Paulo Fier, do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Petroquímicas do Estado do Paraná (Sindiquímica-PR), outros representantes do movimentos populares (Fórum de Carajás, central sindical Conlutas, Movimento pelas Serras e Águas de Minas) e das ONGs internacionais Pax Christi e Justiça Global.

O título de “pior empresa do mundo” contrasta, e muito, com a imagem que a mineradora tem buscado projetar internacionalmente, nos últimos anos. 

“A história da Vale é a história do Brasil verdadeiro, do Brasil vitorioso”, enuncia no vídeo institucional “Nossa História” a voz de um dos 150 funcionários de várias partes do mundo convocados a narrar, em suas diversas línguas, a história da companhia brasileira que conquistou o mundo, entremeada por cenas de futebol, concurso de miss e desfile de escola de samba patrocinados pela Vale. 

O filme, de 26 minutos, foi feito para a empresa pela badalada produtora Conspiração Filmes e conquistou recentemente o prêmio Golfinho de Ouro no 3º Cannes Corporate Media & TV Awards.

Além de prêmios por sua comunicação institucional, a Vale tem colecionado recordes de produção e faturamento. 

Desde 1974, é a maior empresa exportadora de minério de ferro do mundo. 

Em 2004 se tornou a líder das exportações brasileiras. 

Em 2006, tornou-se a segunda maior mineradora do mundo. 

Em 2010, alcançou a 19ª posição no ranking das maiores corporações mundiais. 

Como entender, então, essa impopularidade diante dos movimentos sociais da região onde atua, a ponto de arrebatar o título de “pior empresa do mundo”?

Durante a reunião com os movimentos sociais, o presidente da Vale fez um chiste: ele disse que poderia ter impedido esse resultado simplesmente pedindo para uma parte das dezenas de milhares de funcionários da Vale votarem na Tepco, a corporação responsável pela Usina Nuclear de Fukushima, onde aconteceu, em 2011, o desastre nuclear mais grave das últimas décadas em todo o mundo. 

A empresa japonesa ficou em segundo lugar na votação do Public Eye por uma diferença de 500 votos. 

Tarde demais, o prêmio já foi entregue, ainda que Ferreira tenha se negado a recebê-lo. Agora, falta entender o que significa.

É certo que a votação para o prêmio teve muito a ver com a participação da empresa em Belo Monte, hidrelétrica em construção no rio Xingu, em Altamira (PA), que tem ensejado ampla oposição de grupos ambientalistas e de apoio aos povos indígenas em todo o mundo. 

Apesar de ressaltar o fato de não ter controle sobre o projeto, a Vale tem 9% de participação no Consórcio Norte Energia, capitaneado pela Eletrobrás, e mantém grande interesse na obra, já que provém de hidrelétricas 96% da energia que a empresa consome no Brasil, o correspondente a 5,6% do consumo residencial de todo o país.

A área onde atuam os grupos que indicaram a empresa ao prêmio, contudo, fica a mais de 500 quilômetros do lugar onde está sendo construída a usina, e a disputa dos movimentos sociais com a mineradora tem, muitas vezes, raízes pouco conhecidas fora da região. 

Ao percorrer, entre o sudeste do Pará e o oeste do Maranhão, 2,4 mil quilômetros de estradas esburacadas entre julho e agosto deste ano, a equipe de reportagem da Pública encontrou um território em conflito em torno da Vale S/A. 

Foi desse chão que nasceu a indicação ao indesejado prêmio, feita pela Rede Justiça nos Trilhos, sediada em Açailândia (MA), em nome dos Atingidos pela Vale.

A articulação que se opõe à Vale, como se vê, tem tudo a ver com a Estrada de Ferro Carajás (EFC). 

Foi em 1984 que o último presidente da ditadura militar, João Figueiredo, inaugurou a ferrovia, ao presenciar a partida da primeira carga de minério de ferro no maior trem do mundo – hoje com 330 vagões em média – pela linha que segue das minas de Carajás, no Pará, até o Porto de Ponta Madeira, em Itaqui (MA), em 892 quilômetros de trilhos.

Ali, um volume de minério de ferro de alto teor, com valor médio de US$ 380 milhões por dia (valores de 2011), é embarcado nos navios para abastecer os mercados internacionais. 

“O minério de ferro de Carajás construiu mais da metade de Xangai”, celebra mais uma voz anônima, de um brasileiro, no filme premiado. 

O valor embarcado diariamente já está devidamente dispensado de uma série de impostos, graças à Lei Kandir, vigente desde 1996.

A China é o maior mercado do produto mais lucrativo da Vale e o que traz maior saldo para a balança comercial brasileira, outro ponto de convergência de interesses entre o governo e a empresa. 

O projeto mais importante da companhia – com previsão de US$ 19,4 bilhões de investimento até 2016 – é a expansão da mineração na Província Mineral de Carajás, que além de ricas jazidas de níquel, manganês, cobre tem as maiores reservas do mundo minério de ferro de alto teor.

Curiosamente, o filme premiado da Vale traz apenas uma imagem de relance da simbólica ferrovia, hoje uma concessão pública explorada e administrada pela empresa. 

O Relatório de Sustentabilidade da Vale registra 23 conflitos pelo uso da terra no mundo em 2011. 

No Brasil, foram 14 os considerados significativos por envolver “ocupação ou bloqueio de acesso a unidade da Vale, com impacto nas operações e/ou projetos e repercussão junto às comunidades e imprensa local”.

Dez aconteceram na região de Carajás, bloqueando, pontes, estradas, e a ferrovia, para protestar contra os poluentes que vêm da mineração, o atraso em promessas de indenização e investimento em projetos sociais, mas também a falta de crédito agrícola, educação, saúde e de moradia para os despejados de terrenos públicos.

Entre os episódios descritos pela companhia estão: em Canaã dos Carajás, a PA-160, ficou sem acesso por uma noite e uma manhã, impedindo o acesso à mina de cobre do Sossego. 

Em Ourilândia do Norte, na Mineração Onça Puma, lavradores bloquearam todos os acessos à mina de níquel reivindicando indenização e remanejamento, além da conclusão de projetos sociais oferecidos em contrapartida pela companhia. 

No episódio mais grave, manifestantes puseram fogo na ferrovia em protesto pelo assassinato de um casal de líderes comunitários que denunciou a extração ilegal de carvão teve repercussão mundial – a sobrinha do casal e seu marido, ameaçados de morte, continuam no assentamento agroextrativista em Nova Ipixuna, onde ocorreu o crime.

Uma mineradora atrapalha muita gente

No encontro entre a direção da Vale e os movimentos sociais, o assunto mais importante era a expansão da produção em Carajás, “prioridade absoluta da Vale”, como reafirmou Murilo Ferreira, sem responder às perguntas do padre Dario sobre a responsabilidade da empresa em relação ao minério que vende para fabricantes de ferro-gusa do Maranhão e Pará, acusadas de uma série de irregularidades, ou a possibilidade de rever a duplicação da Estrada de Ferro Carajás.

Em agosto, o BNDES aprovou uma parcela de R$ 3,9 bilhões para a primeira etapa do projeto de expansão em Carajás – 40 dias depois de a empresa obter a licença prévia do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para a implantação da primeira mina de ferro no lado sul da Floresta Nacional de Carajás, que exigiu oito anos de negociações com os órgãos ambientais e inovações tecnológicas para reduzir o impacto ambiental, apresentadas pela Vale em uma bonita maquete no filme premiado.

Se passar pelas próximas etapas de licenciamento, o projeto, chamado de S11D, fará a produção anual de Carajás passar de 110 milhões para 230 milhões de toneladas de minério de ferro em quatro anos. 

As obras de logística vão consumir US$ 11,4 bilhões para ampliar a capacidade de transporte de minério de ferro pelo corredor de exportação que vai da mina ao porto.

De Canaã dos Carajás a São Luís do Maranhão, a aceleração da ocupação do território é anunciada pelo apito do trem. As obras vão reduzir ainda mais o intervalo entre as composições que fazem de 9 a 12 viagens por dia (dados da Vale) atravessando 94 localidades habitadas por índios, quilombolas, ribeirinhos, lavradores assentados por projetos de colonização e de reforma agrária quase falidos, ou que lutam por terra nos acampamentos dos movimentos de sem-terra.

A Rede Justiça dos Trilhos atuou nos bastidores da ação civil pública movida pelo Conselho Indigenista Missionário, Centro da Cultura Negra do Maranhão e Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, que resultou na paralisação das obras de duplicação da ferrovia no trecho maranhense por uma decisão liminar da Justiça Federal do Maranhão no final de julho.

tutela antecipada que adveio da liminar justificava-se como medida de cautela diante de obras dispensadas de estudos de impacto ambiental (EIA-Rima) no processo de licenciamento do Ibama, em um território com “28 áreas de conservação ambiental”, terras indígenas e comunidades quilombolas, protegidas pela Convenção n°169 da OIT, que prevê a consulta prévia e o direito de veto de qualquer obra que possa impactar seu território.

Desde 1982, a partir de uma exigência do Banco Mundial ao financiar as obras do projeto Grande Carajás, os índios passaram a celebrar acordos de indenização e assistência com a Vale, frequentemente cobrada pelo Ministério Público Federal por não cumpri-los. Em 2006, a empresa, com o apoio da FIDH (Federação Internacional de Direitos Humanos) denunciou o governo brasileiro à Organização dos Estados Amerricanos (OEA) por destinar recursos aos índios através da União, sendo incapaz de estabelecer políticas públicas para eles.

As comunidades de remanescentes de quilombos enfrentam situação mais complicada porque só tiveram sua existência reconhecida na Constituição de 1988, o que as obriga a passar por um longo processo para provar a origem da terra onde vivem, que culmina no Relatório Técnico de Identificação (RTDI), feito pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). No ano passado, a companhia pediu a impugnação administrativa dos relatórios de identificação de duas comunidades, Santa Rosa dos Pretos e Monge Belo, ambas no município de Itapecuru. As duas ficam no trecho de 60 quilômetros já licenciado pelo Ibama para as obras de duplicação.

O episódio foi superado por um acordo obtido pelo Ministério Público Federal do Maranhão – em março deste ano. 

Também foram estipuladas condições preliminares para retomar a obra: recuperação de rios e igarapés, construção de viadutos e melhoria das passagens de nível para assegurar a travessia de moradores e veículos, medição de poluição do ar e sonora, e disponibilização de R$ 700 mil, no prazo de 60 dias, para a construção de uma escola de ensino médio e um projeto de agricultura familiar.

Segundo a Fundação Palmares, há 86 comunidades remanescentes de quilombos na área afetada pela ferrovia, além de comunidades “não-tradicionais” estabelecidas nas mesmas terras da União que abrigam as operações da mineradora. 

“A Vale reitera o respeito à diversidade cultural, aos processos participativos e as normas vigentes e tem a Convenção n°169 da OIT como diretriz de atuação”, afirma a empresa, por meio de sua assessoria, a respeito desses embates.

Em 20 de novembro passado, a Vale obteve a licença de instalação para as obras de duplicação.
A ação civil promovida pelas entidades de direitos humanos articuladas pela Justiça dos Trilhos, segue adiante. 

A liminar que paralisava as obras foi revogada por recurso da Vale ao TRF, em Brasília, no mês de setembro.

Pixilinga, o peão trecheiro que chegou a Canaã

Não é difícil encontrar histórias de pessoas simples cujas vidas foram afetadas pela mineradora. 

O maranhense José Ribamar da Silva Costa, o Pixilinga, 53 anos, é o que se pode chamar de expert em projetos de desenvolvimento da Amazônia. 

Antes de se instalar em Canaã dos Carajás, município sede da nova mina de minério de ferro da Vale, ganhava a vida como “peão trecheiro, com a boroca nas costas fichando em firma pra aqui pra acolá”, como ele diz. 

Trabalhou na construção do Porto de Itaqui – o cais da Vale em São Luís –, na barragem de Tucuruí e na Estrada de Ferro Carajás, que o trouxe à região em 1984, quando Canaã e Paruapebas ainda faziam parte do município de Marabá.

“Cheguei em um março chuvoso, e não estavam fichando ninguém. 

Aí eles me disseram: ‘Rapaz, estamos dando lote de dez alqueires (50 hectares) pra quem quer trabalho’. 

Eu fiquei com medo. Será que os índios não vão tirar a gente daqui? 

E os garimpeiros?”, lembra. 

No sorteio lhe coube um lote de um desistente, no alto da serra. 

“Era uma aberturazinha na mata e um barraquinho de pau a pique e palha. 

O caboclo caiu fora porque uma onça correndo atrás de uma anta atravessou o barraco com um monte de menininho lá dentro, a família fez as malas e sumiu”, conta rindo.

Entre 1982 e 1985, o governo federal, por meio do Getat (Grupo Executivo das Terras do Araguaia e Tocantins), assentou 1551 famílias em projetos de colonização em torno da área de mineração com o objetivo formar um cinturão de produção de alimentos e reduzir os conflitos de terra na região Bico do Papagaio – palco da Guerrilha do Araguaia durante a década de 1970. “Nos colocaram aqui como vigias, que isso não era habitado de gente não. 

Quando cheguei aqui, era só mata, só floresta. ‘Cabra que pegar a terra e não desmatar o lote vai ter que sair’, eles diziam”, lembra, espantando a nuvem de mosquitos que invade a varanda de sua casa em Vila Planalto, a 12 km da sede do município de Canaã dos Carajás.

Quando a produção de milho e mandioca aumentou, os vizinhos formaram uma associação, a Aproduz (Associação dos Produtores da Serra Dourada), e decidiram comprar um caminhão. 

Ao buscar crédito no banco, Pixilinga descobriu que eles não tinham o título de propriedade da terra colonizada. 

“Como assentados, a gente devia ter tomado o crédito no Procera, mas quem explicou? 

Os mais sabidos vieram com a oferta de um financiamento de banco, chamaram a gente de posseiro e cobraram aqueles juros”.

Foi nesse período que começou o que chama de “a perseguição da Vale”. 

“Eles entravam nos lotes, abrindo picão na terra de todo mundo sem explicar nada. 

Mas em 1997, 1998 começaram a comprar terra e botar cancela e cadeado nas nossas estradas, que eram do Incra”, indigna-se.

A vila da Serra Dourada foi extinta no processo da implantação da mina que inaugurou a produção de cobre da Vale em Carajás em 2004. 

Das 67 famílias que se comprometeram com o empréstimo, 29 venderam os lotes para a Vale, e os que ficaram não tinham como pagar as parcelas dos que foram embora. 

A dívida cresceu. 

“Hoje não existe mais Serra Dourada nem Aproduz, mas o nome da gente está no Serasa, no SPC por uma dívida de R$ 800 mil”, lamenta.

A Pública questionou o Incra sobre a falta de títulos de propriedade, a comercialização dos lotes dos colonos e a assistência prestada a eles. 

A resposta foi sucinta: “O Incra, hoje, não tem domínio sobre as terras tituladas à época do Getat, visto que os colonos já possuem título de propriedade”. 

Ou seja, o “mico” das 38 famílias de Serra Dourada não existe para o governo brasileiro. 

“Nem para a Vale, que causou o problema e ofereceu a assistência jurídica da companhia pra individualizar a dívida, o que não adianta nada”, atalha Pixilinga. 

Hoje presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Canaã dos Carajás, ele tira o sustento de uma vendinha instalada na frente do terreno e da roça nos fundos da casa, erguidas no lote trocado com um fazendeiro, que expandia sua área para a região abandonada pelos colonizados do Incra.

Entre 2001 e 2010, a população urbana do município de Canaã dos Carajás quintuplicou, passando de 3.924 para 20.738 habitantes, enquanto a população rural caiu 14%, passando a 5.989 habitantes, de acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) analisados na dissertação de mestrado da pesquisadora Dalva Maria Vasconcelos dos Santos, da Universidade da Amazônia.

A guerra nos números

O maior argumento da Vale quando vai abrir um projeto são os empregos– contraditoriamente, ou não, os números mais difíceis de obter da companhia. 

Para começar, os números quase sempre agregam “empregados próprios e terceiros permanentes”; quando há essa separação, não são divididos por setores ou localizações geográficas.

Segundo a assessoria de imprensa da Vale, em julho de 2012, “a empresa emprega 107 mil pessoas no Brasil, entre empregados próprios e permanentes, essa cifra corresponde a 76% dos empregados da empresa no mundo”. 

Segundo dados do Relatório de Sustentabilidade da empresa, é possível, ainda, concluir que a Vale tem 60 mil empregados com “ contrato por tempo indeterminado”.

Quando a Pública quis saber quantos empregados da Vale trabalham nas minas de ferro, cobre, níquel e outros metais, a resposta foi: “Nos estados do Pará e Maranhão trabalham 31 mil empregados (18,5 mil próprios e 12,5 mil terceiros permanentes), além de 22,6 mil terceiros em projetos”.

Não se sabe, dessa conta, quantos trabalham em cada setor, nem quantos foram contratados nas comunidades onde a empresa atua, o que atrapalha definitivamente a compreensão da questão que atormenta os empregados das minas da Vale, da África a Carajás:
“Os números por Sistema não estão disponíveis. 

Em todo o Brasil, o percentual de contratação local da Vale foi de 68% em 2011. 

O número de membros da alta gerência provenientes da comunidade local era de 36% ao final do ano passado”.

Obviamente se a “comunidade local” é o Rio de Janeiro, sede da companhia, ou os rincões do Maranhão, os percentuais fornecidos seriam radicalmente diferentes.


Assim como são diferentes as realidades entre os países, como mostra outro item do relatório, o das ações judiciais. 

Ali figuram cinco ações trabalhistas no Brasil, entre elas duas em que o Ministério Público do Trabalho questiona condições de segurança em Minas Gerais e no Complexo de Tubarão. 

No ano passado, 11 trabalhadores da Vale morreram em acidentes de trabalho, sendo oito no Brasil.
Outra ação se refere ao pagamento de horas in itinere (gastas no deslocamento ao trabalho) aos empregados das minas de Carajás. 

De acordo com a Justiça de Trabalho de Parauapebas, em 2010, a empresa foi condenada a empresa a pagar R$ 100 milhões por danos morais coletivos e R$ 200 milhões por “dumping social”. 

Segundo o sindicato Metabase, que congrega os trabalhadores da Vale: “Os trabalhadores transportados nos ônibus fretados pela empresa recebiam por seis horas de trabalho e ficavam o dobro do tempo à disposição da companhia; um acordo está em curso”.

O mesmo relatório relata 11 ações judiciais e autuações “relevantes” no campo ambiental em 2011, sendo nove na Justiça brasileira, em quatro estados.

No total de 2011, a empresa registra a existência de 293 processos envolvendo a companhia, “136 judiciais e 157 administrativos relevantes”, mais de 90% no Brasil. 

As ações contra privatização (69) são seguidas por 52 ações judiciais e 145 processos administrativos que se referem à cobrança de royalties, a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), com alíquota média de 2% sobre o faturamento da empresa.

No ano passado, foram arrecadados menos de R$ 1 bilhão em royalties, em todo o país. 

O número aparece em estudo feito pelo professor Rodrigo Salles Santos, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). 

Ele baseou-se em cálculos do presidente da Comissão Especial de Informática e Estatística do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Guilherme Zagallo. 

A Vale não divulga a informação, e o departamento de arrecadação do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) alega ser sigilosa.

A Cubatão da Amazônia

O mapa da Estrada de Ferro de Carajás é o centro das atenções no 4º Encontro Regional dos Atingidos pela Mineração, realizado no final das férias de julho na Escola Lourenço Galetti, em Açailândia (MA), uma cidade de 110 mil habitantes onde os esgotos correm nas ruas, e os moradores têm que escolher entre viver sob a fumaça das guseiras na BR-222 ou no entroncamento da Belém-Brasília. 

Ali também está um dos pátios mais importantes da Vale, que, além de fornecer minério de ferro às guseiras e retirar o ferro-gusa, entrega combustível e recolhe grãos.

Os cerca de 80 representantes das 20 comunidades que conseguiram chegar ao encontro – o transporte mais barato é o trem de passageiros que passa na mesma EFC, em dias alternados – são recebidos por um trio de música sertaneja e vão apresentando as localidades em que vivem, de Canaã dos Carajás a São Luís do Maranhão.

O desenho esquemático da linha férrea se transforma em um “mapa falado” dos povoados, acompanhados dos problemas que vivenciam. 

A discussão vai dos atropelamentos de pessoas e animais na ferrovia, ao desmatamento e assoreamento dos igarapés; da desestruturação das escolas rurais e hospitais à falta de emprego para os jovens que não veem perspectiva nos assentamentos sem crédito agrícola e não são preparados para disputar os melhores (e poucos) empregos produzidos pela mineração, tornando-se os peões das empreiteiras terceirizadas.

“O complexo-mina-ferrovia-porto se insere na rede global da produção do aço, que produz os carros, as geladeiras, os computadores”, explica o doutor Marcelo Carneiro, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), acadêmico convidado pelos organizadores do encontro. 

“Nós queremos que o valor produzido por essa cadeia seja incorporado pelos territórios que cedem seus recursos naturais a um modelo de exportação que se relaciona de maneira predatória com a economia regional, desestruturando as atividades econômicas locais sem criar alternativas dignas nem se preocupar com o legado”, ensina à plateia atenta que vai aumentando com a chegada dos retardatários.

Os efeitos dessa “disputa desigual pelo valor”, como diz o professor, ganham mais uma dimensão nas falas dos defensores dos direitos humanos, conselheiros tutelares, membros do Ministério Público Federal presentes à reunião: trabalho forçado na cadeia de carvão em Buriticupu (MA), exploração sexual de crianças em Açailândia, violência extremada em Marabá.

O promotor Leonardo Tupinambá, de Açailândia, é o porta-voz de um problema surpreendente para os que não conhecem o magnetismo que a Vale exerce nos rincões do Maranhão: os embarques clandestinos de crianças e adolescentes nos imensos trens da companhia, escondidos embaixo do minério de ferro carregado pelos vagões. 

No ano passado, o promotor de Santa Luiza (MA) moveu uma ação civil contra a Vale por descumprir “reiteradamente” o Estatuto da Criança e do Adolescente “quanto ao controle de embarque de menores, tanto em trens de transporte de passageiros quanto em trens cargueiros, de forma clandestina, aproveitando-se do fato da empresa não adotar qualquer medida de vigilância”.

Nem sempre os meninos conseguem chegar ao destino almejado, Parauapebas – que concentra o dinheiro da mineração por sediar o complexo da Vale. O município fica com 65% dos royalties advindos da mineração, o Estado do Pará com 23% e a União com 12%. 

“O que é produzido em Carajás tem dois caminhos: o porto de exportação e as guseiras de Marabá e Açailândia”, atalha o professor Carneiro.

“Em Minas Gerais, parte importante desse minério é beneficiada em cadeias produtivas adensadas; o estado do Pará exporta quase tudo in natura. 

O projeto máximo de beneficiamento que o complexo minerador pensou para essa região é o ferro-gusa que oferece empregos de baixa qualidade e cria um cenário de destruição à sua volta”, explica.

Uma das comunidades homenageadas no encontro é Pequiá, que se tornou símbolo mundial da destruição da Amazônia depois de um relatório do Greenpeace, que sobrevoou a região, documentando a destruição

Ali vivem cerca de 300 famílias entre as guseiras que produzem ferro-gusa com carvão vegetal e minério de ferro, vomitando poluentes no ar, nos rios, no solo. 

O produto é embarcado nos trens da Vale, que também fornece a matéria-prima. 

A Pública visitou as casinhas cobertas de poeira, cujo dano para a saúde dos moradores, a água e o solo foi constatado por um laudo da Secretaria de Meio Ambiente realizado por ordem de Promotoria de Justiça de Açailândia, que instaurou um inquérito para investigar as denúncias dos moradores e resultou em um Termo de Ajustamento de Conduta assinado em 2011. 

O acordo obriga o sindicato patronal das empresas, o Sifema, a transferir os moradores do local para um terreno desapropriado pela prefeitura.

Na passeata que encerrou o encontro naquele 27 de julho, a alegria estava nos rostos da juventude do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), nas palavras de ordem puxadas pela representante da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e nas vozes embargadas de emoção dos que há anos usam o próprio corpo para deter o trem. 

Eles haviam acabado de receber a notícia da paralisação das obras pela Justiça do Maranhão. 

Dessa vez tiveram a gentil escolta da Polícia Militar para caminhar pelas ruas e dar as mãos formando um círculo em torno da rotatória rodoviária, sem se incomodar com os caminhões pesados, bufando de impaciência contra os que bloqueiam o progresso.


Fonte:  AGÊNCIA DE REPORTAGEM E JORNALISMO INVESTIGATIVO

Amazônia Pública

Para os Awá-Guajá, trem da Vale é o “barulho do terror”

Uma das tribos mais ameaçadas do mundo não conhecia os brancos até recentemente. 

Mas na reserva do Gurupi (MA) o impacto do pólo minerador-exportador põe em risco seu modo de vida.

Uma mulher dá de mamar a um macaco guariba. 

Outros dois meninos brincam com um periquito e um terceiro, deitado em uma rede, com um quati. 

A imagem de galhos e folhas de árvores é coberta por uma fala de som inusitado, a língua guajá.

As cenas são de um vídeo produzido pela Survival International como parte de uma campanha para salvar a “tribo mais ameaçada do mundo”, segundo a organização, os Awá-Guajá. Atualmente, os índios dessa etnia ocupam três áreas no Maranhão: a Terra Indígena Alto Turiaçu, a Terra Indígena Awá e a Terra Indígena Carú.

“Na verdade, [a área das terras indígenas] só tem esse formato devido ao empreendimento Carajás, que dividiu uma grande reserva florestal, a do Gurupi, para se tornar esse mosaico que é hoje”, conta Rosana Diniz, coordenadora regional do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) no Maranhão.

Ela se refere à Estrada de Ferro Carajás (EFC), do Programa Grande Carajás, o pólo de produção e exportação de minérios da então Vale do Rio Doce – hoje Vale S/A – implantado nos anos 80. 

O trem que parte da Floresta Nacional de Carajás, no Pará, onde ficam as minas da Vale, segue pelo Maranhão até o porto de exportação próximo a São Luís, é o maior do mundo. 

São quatro locomotivas e 330 vagões que atravessam com estrondo reservas florestais, terras indígenas, comunidades quilombolas e de pequenos agricultores.
Ainda nos anos 80, a Vale firmou um convênio com a Fundação Nacional do Índio (Funai) para demarcar o território dos Awá-Guajá no Maranhão, apoiando financeiramente o processo. 

Assim surgiu a Terra Indígena Awá, localizada a 35 km da Estrada de Ferro Carajás. 

Também estão na área de influência da ferrovia as Terras Indígenas Carú e Mãe Maria afetadas, no momento, pela expansão da Estrada de Ferro Carajás como parte de um projeto da Vale de duplicar a extração de minério no Pará.

 “O BARULHO DO TERROR”

 

O contato com os Awá-Guajá no Maranhão é recente, poucos falam algumas palavras de português. Há mesmo notícias de Awá-Guajás não contatados. 

Como vivem da caça e da coleta, circulam pelo território e sentem dramaticamente qualquer impacto sobre ele.

“Os Awá tem toda uma teoria sobre o barulho, sobre o som, que inclusive forma o conhecimento deles sobre a caça. 

O silêncio na mata é muito valorizado. 

Eles conseguem ouvir a chuva quando está chegando, minutos antes de ela cair. 

Então eles têm toda uma teoria nativa sobre o barulho e o barulho do trem é um barulho do terror”, explica Uirá Garcia, antropólogo que trabalha com os Awá-Guajá.

As aldeias mais próximas da ferrovia estão na Terra Indígena Carú. 

São as aldeias Awá e Tiracambú, distantes cerca de 1,1 km e 1,7 km da ferrovia, respectivamente. 

Além do ruído que espanta a caça e causa medo às crianças, os Awá-Guajá convivem com desmatamento e a exploração ilegal de madeira no território invadido pela chegada de migrantes atraídos pelos grandes empreendimentos econômicos na região.

“Considerando que é um povo caçador e coletor, que vive exclusivamente da floresta e consequentemente não tem políticas voltadas para esse modo de vida – nem por parte da Funai, nem na assistência da saúde -, esses elementos nos levam a concluir que esse é, realmente, o povo mais ameaçado no Brasil”, acredita Rosana Diniz.

O FUTURO DOS AWÁ-GUAJÁ

 

A situação de outros índios afetados pelo pólo exportador de Carajás – esses no Pará – antecipa um futuro ameaçador para os Awá-Guajá.

No sudeste do Pará, onde ficam as minas da Vale, o imenso trem corta as terras da comunidade indígena Mãe Maria. 

Ali, cerca de 700 índios Gavião se dividem em cinco aldeias nos 62 mil hectares que compõem a única área verde do município de Bom Jesus do Tocantins.

Os Gavião enfrentam o mesmo problema de caça que os Awá-Guajá, além de atropelamentos nos trilhos do trem que não pode parar – um maquinista controla o trem de 3,5 km de extensão. 

O território deles está na área de influência dos megaprojetos de desenvolvimento desde a década de 1970 – dos alagamentos causados pela Usina Hidrelétrica de Tucuruí – e as linhas de energia que cortam o território – à construção da BR-222 (que liga Marabá a Fortaleza).

Os que ficam mais próximos às minas, porém, são os cerca de mil índios Xikrin Kayapó, da Tribo Indígena Cateté, ao sudoeste de Marabá. 

A área ocupa perto de 440 mil hectares do município de Parauapebas, sede da Floresta Nacional de Carajás – de onde é extraído o minério de ferro da Vale.

As indenizações e programas estipulados pelo IBAMA que a Vale paga aos Xikrin e aos Gavião, por enquanto, são as únicas tentativas de compensar e mitigar os danos causados ao ambiente e  modo de vida dos índios.

O que leva a conflitos e renegociações constantes. 

“A Vale acha que são coisas definitivas e não são. 

Da perspectiva dos índios, a negociação está sempre aberta. 

É sempre possível voltar a negociar porque é sempre insatisfatório. 

Tem essa figura no direito que chama hipossuficiência jurídica. 

A desigualdade é tamanha na negociação que, para os índios, a possibilidade de renegociação está mesmo sempre aberta”, diz Iara Ferraz, antropóloga que acompanha os índios Gavião desde a década de 70.

Em 2006, quando índios Xikrin pararam a produção da Vale em Carajás, a empresa declarou não ter obrigação legal de indenizá-los pelos impactos socioambientais causados por seus empreendimentos na região. 

“É responsabilidade do Estado a garantia de recursos financeiros para atender às necessidades destas comunidades, atuando através da Funai e de outras entidades governamentais”, declarou a companhia.

“É chegada a hora de o Estado definir e implementar políticas de apoio ao desenvolvimento sustentável das comunidades indígenas em todo o território brasileiro. 

As empresas privadas não podem mais conviver com ilegalidades promovidas por índios, que vêm lançando mão de ações que podem ser caracterizadas como crimes de cárcere privado, roubo, extorsão, dano, invasão de estabelecimento industrial, formação de quadrilha, perigo de desastre ferroviário e desobediência”, afirmava a empresa.

Para Marcos Reis, coordenador do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) Norte 2 – que abrange o Pará e o Amapá –, “o argumento que a Vale usa de que faz caridade, que dá isso de boa vontade, é falacioso, porque ela está condicionada a fazer isso”, diz, se referindo às condições impostas à companhia – então estatal – pelo Senado Federal depois da redemocratização do país.

A resolução nº 331 de 1986 do Senado concedeu à Vale o direito de uso de terras da União por tempo indeterminado mas estipulou entre os deveres da empresa o “amparo das populações indígenas existentes às proximidades da área concedida e na forma do que dispuser convênio com a Fundação Nacional do Índio – FUNAI ou quem suas vezes fizer”.

ÁGUA POLUÍDA

Kangó, um índio de 42 anos, é representante da aldeia Djudjekô, dos índios Xikrin. 

Ele conta que decidiu começar a estudar para ajudar os índios, índias, curumins e anciãos de sua comunidade. 

“Tem gente ainda que não sabe falar português, os velhos e as crianças da nossa aldeia são assim. Nem a índia nem o menino sabem português. 

Eu preciso estudar para poder ajudar eles”, conta. 

Sua aldeia está mais próxima da área de mineração de níquel da Vale, chamada Onça-Puma, nas terras da Tribo Indígena Cateté.

Ele explica que o aumento da população é um dos fatores que justificam a renegociação das indenizações pagas pela Vale. 

“Tem muito minério rodeando a aldeia e a aldeia ficou no meio. 

Esse recurso que a Vale repassa para a comunidade indígena não dá para todas pessoas, porque todo ano a população cresce nas três aldeias Xikrin”, fala.

Juliano Almeida, indigenista da Funai em Marabá, diz que os recursos são destinados  a atividades de interesse da comunidade. 

“Tem um conselho [na comunidade] que define a forma como esse dinheiro vai ser aplicado”.

As extração de níquel polui bem mais do que mineração de ferro. 

Na aldeia Djudjekô, próxima às minas de Onça-Puma, os índios temem a contaminação do rio da comunidade, o Cateté. 

“Nós estamos preocupados com pó que cai na água. 

As crianças se banham e bebem da água do rio. 

E com a nossa alimentação, com o peixe. 

O pó também cai na castanheira, onde nós buscamos a castanha pra se alimentar. 

Algumas já morreram por causa de pó”, diz Kangó.

O índio conta que as crianças apresentam sintomas de intoxicação como diarreia, coceira e vermelhidão nos olhos. 

Seu neto de três anos, Pepnhuika, agora está fazendo um tratamento para os olhos. 

Os gastos com saúde e projetos para sobrevivência das aldeias – como os de cultivo e extração de castanha – são realizados com as indenizações que os índios recebem da Vale. 

E eles sabem que com esses mesmos recursos têm de se preparar para o futuro, quando as minas se exaurirem.

“Nós temos uma preocupação, uma tristeza, um sentimento. 

Mas também temos um projeto de plantação de cacau, estamos começando a produzir, a fazenda também já está começando a produzir”, fala Kangó. 

“Nós temos que trabalhar, para sobreviver os nossos netos, os nossos filhos, para não esquecer o nosso futuro. 

E assim, se a Vale deixar nós, nós temos o nosso trabalho”.

LUTA JUDICIAL

 

Em julho do ano passado, o juiz federal Ricardo Macieira da 8ª Vara de São Luís, no Maranhão, determinou a suspensão da expansão da Estrada de Ferro Carajás até que fosse realizado o Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima). 

A duplicação da ferrovia e expansão dos pátios havia sido considerada “uma reforma” pelo IBAMA – apesar de cortar reservas naturais e comunidades protegidas ao longo dos quase 700 km da obra – e a Vale foi dispensada do EIA-Rima, apresentando apenas uma modalidade mais simples de pesquisas, o Estudo Ambiental e Plano Básico Ambiental (EA/PBA).

A decisão do juiz federal atendia às reivindicações da ação civil pública movida por órgãos de direitos humanos, como a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), o Centro de Cultura Negra do Maranhão (CCN) e o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), contra o IBAMA – que dispensou o EIA-Rima – e a Vale – que não realizou a consulta prévia a comunidades indígenas e quilombolas – como determina a Convenção 169 da OIT. 

A ação civil também citava a falta de publicidade na convocação das audiências públicas por parte do IBAMA e da Vale.

Em setembro de 2012, porém, o desembargador federal Mário César Ribeiro, presidente do TRF da 1ª Região revogou a liminar do juiz federal e liberou a execução das obras nos trechos que não ferem as terras indígenas. 

A questão jurídica, porém, ainda não foi decidida, como explica Rosana Diniz, do CIMI: “A ação judicial continua correndo. 

A Vale entrou com um recurso alegando prejuízo e nós também entramos com um recurso, um agravo regimental, que será julgado pelo colegiado da segunda instância do TRF. 

A gente, então, está aguardando o julgamento dessa ação”.

Além disso, segundo a Coordenação-Geral de Índios Isolados e Recém Contatados da Funai, a Licença de Instalação do IBAMA de novembro de 2012, autorizando a duplicação da ferrovia, incluiu as ressalvas do órgão de proteção aos índios pedindo a  interrupção da obra nos trechos que atingem as Terras Indígenas Carú e Mãe Maria até que a Vale entregue os Estudos de Impacto Ambiental do Componente Indígena para a análise e manifestação técnica da Funai.

E COMO FICA A “TRIBO MAIS AMEAÇADA DO MUNDO”?


Em 2007, a Vale renovou o Acordo de Cooperação firmado com a Funai para atender as necessidades e demandas das Terras Indígenas Carú, Awá e Alto Turiaçu. 

Segundo a assessoria de imprensa da empresa, o acordo – que tem vigência até 2016 – tem o objetivo de atender a especificidade cultural dos índios Awá.

Não será fácil, a julgar pela opinião do antropólogo Uirá Garcia, que explica: há uma série de impactos ambientais e sociais que fazem com que os Awá-Guajá se sintam historicamente prejudicados pelos empreendimentos da Vale, além de um abismo cultural na relação entre companhia e índios.

“O sentimento geral da população Awá-Guajá, que está na Terra Indígena Carú, na aldeia Awá e na aldeia Tiracambú, é que eles não querem essa duplicação [da ferrovia de Carajás]. 

Os Awá são um povo que conhece muito pouco do nosso universo, do que é o Brasil, do que é o presidente, do que é a Vale. 

Como você vai negociar com um povo que não sabe o que é dinheiro?”, questiona o antropólogo.

Fonte: AGÊNCIA DE REPORTAGEM E JORNALISMO INVESTIGATIVO

 

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