Reportagens na imprensa estrangeira descreveram Noiva
do Cordeiro, MG, como paraíso de "garotas de extrema beleza em busca
maridos".
Mail Online:
'Cidade no Brasil composta
inteiramente por mulheres fez apelo por solteiros'.
(Foto: Mail Online / Via BBC)
Metro: 'Alerta a todos os solteiros: esta cidade é inteiramente composta por mulheres extremamente atrativas' - e elas estão em busca de homens. (Foto: Metro / Via BBC)
Mirror: 'Cidade cuja população é inteiramente de mulheres bonitas e jovens faz apelo por homens solteiros'. (Foto: Mirror / Via BBC)
O pequeno distrito de Noiva do Cordeiro, a 100 km de Belo Horizonte,
andou causando frisson na imprensa estrangeira - mas as reportagens não
falavam sobre a criação de gado ou a produção artesanal de roupas pela
cooperativa local.
Em pelo menos três jornais britânicos, sites de notícias em inglês, além de veículos turcos, tailandeses, norte-americanos, italianos
e indianos, o vilarejo foi descrito como terra natal de "600 mulheres
exóticas e solteiras", todas entre "20 e 25 anos", que teriam criado uma
campanha para atrair homens e reverter a escassez masculina na região.
Manchetes como "Habitat de Beldades em Busca de Homens" e "Lugar
Exclusivamente Ocupado por Garotas de Extrema Beleza Quer Atrair
Maridos" causaram entre alguns leitores estrangeiros - a ponto de chegar
ao topo da lista de mais lidas do jornal britânico The Telegraph.
Não seria difícil adivinhar que a história não fosse bem essa.
A população de Noiva do Cordeiro, segundo os moradores, não é composta
por "600 solteiras", mas por aproximadamente 300 pessoas, homens e
mulheres, em proporção similar.
Elas não têm "entre 20 e 25 anos" - são crianças, adolescentes, mães e idosas.
Principalmente: não há campanha alguma em busca de maridos.
Contexto
Quem desmente é Rosalee Fernandes, de 49 anos, moradora do local desde a
infância.
Ela é uma das "entrevistadas" que aparecem em jornais como os
britânicos Daily Mail e o Metro, e em websites como o Huffington Post.
"Com certeza não tem campanha nenhuma.
Não dei entrevista.
Colocar a gente nessa situação é um absurdo."
Noiva do Cordeiro fica numa área rural na região metropolitana de Belo
Horizonte.
"O que acontece é que os nossos maridos trabalham em BH
durante a semana.
Mas ninguém aqui está desesperada, não, senhor, somos
trabalhadoras", diz.
Na capital, os homens costumam trabalhar como operários em fábricas.
Pelo Facebook, mulheres da comunidade divulgam fotos de eventos como coral e festas de 'halloween' (Foto: Facebook Noiva do Cordeiro / Via BBC)
A BBC Brasil conversou com outras duas moradoras da cidade para matar a
charada.
As frases incluídas nas reportagens parecem ter sido
deliberadamente copiadas, fora de contexto, de uma matéria da revista
Marie Claire publicada em 2009.
No texto, que mostra como a cooperativa local criada pelas mulheres se
tornou exemplo de organização entre as moradoras, uma das entrevistadas
diz que há poucos homens solteiros e que boa parte deles são parentes.
O que não significa que haja uma "campanha em busca de maridos".
"A internet aqui é do governo e caiu há uns dias.
A gente está sem acesso a nada e não faz ideia do que está saindo sobre nós", disse Rosalee.
As fotos das falsas reportagens, que mostram as mulheres em poses e trajes provocantes, foram tiradas numa festa à fantasia e publicadas na página da associação local no Facebook.
Respeito
O vilarejo é composto por pessoas de origem humilde, na maioria sem ensino médio completo, que se organizam numa cooperativa onde tudo é decidido coletivamente.
Diariamente, elas trabalham na lavoura ou na produção de peças de artesanato, como tapetes, colchas e lingeries, e produtos rurais, derivados do leite e da pecuária.
Na ausência de homens nos dias úteis, a associação local foi o caminho encontrado pelas mulheres para se ajudar mutuamente e enfrentar o preconceito dos vilarejos do entorno.
É que, no passado, moradores das cidades vizinhas chegaram a taxar as
moradoras como prostitutas - pelo simples fato de estarem
desacompanhadas.
Juntas, elas dizem ter conseguido complementar a renda familiar por meio do trabalho coletivo, além de se ocupar nos períodos de ausência dos maridos.
Principalmente, dizem, acham que conseguiram impor respeito.
"Por favor, vocês precisam nos ajudar a desmentir esse boato, moço", pede Rosalee.
"Isso aqui é terra de gente digna."