Ministério Público investiga o pagamento de
supersalários a funcionários públicos do estado. Desvio de dinheiro pode
passar dos R$ 70 milhões.
Em quatro anos, mais de 100 mil depósitos suspeitos foram parar nas
contas bancárias de funcionários da Assembleia Legislativa de Alagoas. O
desvio de dinheiro público pode passar dos R$ 70 milhões.
Pai, mãe e filha que moram em uma casa na periferia de Maceió são
funcionários da Assembleia Legislativa de Alagoas.
Nas contas bancárias
de Joana d’Arc da Silva, do marido dela e da filha apareceram 277
depósitos suspeitos em um ano e meio, entre janeiro de 2012 e julho de
2013. No total, mais de R$ 1,6 milhão pago pela Assembléia.
“Se entrou na minha conta, é meu”, disse.
Joana ainda recebe o Bolsa-Família, o programa federal que atende pessoas pobres, com renda de até R$ 70 por mês.
O caso da família Gouveia é só um dos que estão sendo investigados pelo Ministério Público.
De 2009 para cá, houve cerca de 108 mil depósitos suspeitos nas contas
de funcionários do Poder Legislativo alagoano.
O desvio pode passar dos
R$ 70 milhões.
“Os vestígios são claros. Quem praticou essas ilicitudes não teve a
preocupação em apagar os seus rastros”, disse o procurador geral da
Justiça de Alagoas Sérgio Jucá.
O Fantástico teve acesso à folha de pagamento dos últimos quatro anos
da Assembleia de Alagoas. Há indícios de várias irregularidades. Por
exemplo: mesmo depois de morrerem, dois ex-deputados receberam salários
durante três meses.
Também tem gente bem viva acusada de ganhar duas,
três vezes mais que o salário oficial. E há os fantasmas: funcionários
que recebem, mas não trabalham.
“Existe, na Assembleia Legislativa, um bando de parasitas, servidores
que não sabem nem onde fica a Assembleia Legislativa, que nunca deram um
dia de trabalho”, afirma o procurador.
Nesta semana, a equipe de reportagem do Fantástico esteve várias vezes
na Assembleia. Nunca foi encontrado nenhum pediatra, neurologista,
psicólogo ou dentista.
Segundo o Ministério Público, 23 profissionais de diversas especialidades deveriam trabalhar no ambulatório.
“Esses médicos não comparecem. Esse é um fato notório em Alagoas”, destaca o procurador.
Se alguém se machucar, falta até esparadrapo. No estoque do ambulatório, não tem praticamente nada.
Em 2013, a Assembleia vai receber R$ 143 milhões do governo do estado.
Nas folhas de pagamento obtidas pelo Fantástico, existem mais de 1.500
funcionários.
Três vereadores de Maceió também receberam salários da
Assembleia. Mas funcionários dizem que eles não aparecem para trabalhar.
Antonio Holanda Costa, que assumiu o mandato este ano, é um deles.
Tem
um salário de R$ 15 mil na Câmara. Já na Assembleia, entre janeiro e
agosto passado, recebeu um total de R$ 18 mil, como secretário
parlamentar.
“Ele pode acumular os vencimentos, desde que exista compatibilidade de
horários. Não havendo compatibilidade de horários, ele deve optar por um
ou outro. Dois cargos, não. Isso fere a Constituição”, explica Adib
Kassouf Saad, presidente do comitê de direito administrativo da OAB.
A equipe de reportagem foi à Câmara de Maceió atrás de Antonio Holanda Costa, que foi demitido da Assembleia em setembro.
Um vereador avisa: “Ele disse para mim que não queria falar sobre essa matéria”.
O Ministério Público também investiga o pagamento de supersalários na Assembleia.
O deputado João Henrique Caldas percebeu a irregularidade: “Recebi a
noticia dos meus servidores que seus salários vieram em dobro nas suas
contas bancárias.
Oficialmente, existia um salário no contracheque e, na
conta bancária, um salário em dobro”.
João Henrique Caldas, o JHC, conseguiu na Justiça informações sobre a
movimentação financeira da Assembleia, foi ao Ministério Público e
devolveu o dinheiro.
“Eu pedi para que meus servidores não mexessem nesses recursos”, diz.
Segundo ele, o valor devolvido é de aproximadamente R$ 650 mil. De
acordo com JHC, ele foi o único deputado a devolver o dinheiro.
Entre os 108 mil depósitos suspeitos, estão cerca de 300 para a família
Gouveia. Joana é assessora administrativa especial. O marido dela,
Gildo, e a filha do casal, Iris, são secretários parlamentares. O
salário oficial de cada um é de cerca de R$ 12 mil.
Repórter: No mês 10 de 2012, olha quantos depósitos entraram na conta
do senhor: R$ 14 mil, R$ 14 mil, R$ 10 mil, R$ 2, R$ 6 mil, R$ 3 mil e
R$ 2,5 mil.
Gildo: Se entrou na minha conta, é meu.
Repórter: Se o senhor ganha ‘x’ e está entrando ‘3x’, a conta não bate,
não é? Somando o senhor, a filha do senhor e a dona Joana, vocês
receberam R$ 1,6 milhão.
Gildo: Certo.
Repórter: Eu queria saber se esse dinheiro entrou mesmo na conta.
Gildo: Eu só posso falar na frente do meu advogado.
Esta semana, a equipe de reportagem do Fantástico só viu Joana e Gildo
indo trabalhar. “Minha filha trabalha à tarde”, justificou.
Pai, mãe e filha são funcionários do presidente da Assembleia.
Segundo o advogado da família, Luiz Gustavo Gonçalves, não há
irregularidade nos salários. “Foram quantias que não foram depositadas
no tempo correto na conta.
Foram feitos requerimentos administrativos
para poder solucionar essa situação”, afirma.
Quanto ao Bolsa-Família de R$ 70 por mês que Joana recebe, o advogado
garante: “Tudo que for apurado que foi recebido de forma ilegal vai ser
devolvido”.
O Fantástico descobriu que o escândalo é maior: outros dez servidores
também ganham o Bolsa-Família. Funcionários que trabalham no local há
20, 30 anos, não conhecem essas pessoas que recebem o benefício.
A equipe de reportagem do Fantástico foi aos endereços que constam no
cadastro do programa. Marcelo da Silva moraria em uma casa, em um bairro
pobre de Maceió. Mas, segundo a mãe, ele vive no interior.
Repórter: Consta que ele recebeu da Assembleia R$ 424 mil, e ele ainda recebia o Bolsa-Família.
Mãe: Isso não existe.
Em outro bairro, mora Maxwell Santos. Na conta dele, foram parar mais
de R$ 626 mil da Assembleia. A mulher de Maxwell atendeu a equipe. Ela
confirma que o dinheiro entrou na conta dele. Por telefone, o
funcionário avisa que não quer conversa.
O Fantástico foi a outro endereço, também na periferia. No local mora
Maria Silvania Gama Macedo. Ela apareceu, mas ao ser questionada que
teria entrado na conta dela R$ 687 mil e ela ainda recebe Bolsa-Família,
Maria Silvania se escondeu. Segundo a Assembleia, ela foi demitida este
mês.
O Ministério do Desenvolvimento Social informou que vai pedir uma
reavaliação financeira das famílias mostradas na reportagem. O pagamento
pode ser suspenso.
Agora, a Procuradoria-Geral de Justiça quer saber o paradeiro do
dinheiro depositado de forma suspeita. Os funcionários ficaram com tudo
ou houve repasse para assessores e deputados?
“Eu asseguro ao povo de Alagoas que ninguém ficará impune”, declara o procurador.
No cargo há cinco anos, o presidente da Assembleia diz que houve um erro administrativo nos depósitos.
“Já foram detectadas essas informações no momento em que foram vistos
os lançamentos fracionários nos extratos bancários, e as providências já
foram tomadas.
Mas não quer dizer que haja nenhuma ilegalidade nem
tenha ultrapassado os limites constitucionais”, presidente da
Assembleia, deputado Fernando Toledo.
Depois da equipe de reportagem insistir, o deputado disse: “Se houver
alguma irregularidade, a Assembleia vai cobrar para que isso seja
devolvido”.
Ele também foi perguntado sobre a biblioteca da Assembleia. No papel,
ela recebeu R$ 1 milhão. Só que não tem uma estante ou um livro sequer.
“Não há esse recurso para a biblioteca.
Houve um redirecionamento desse
recurso para recursos humanos. Esse dinheiro foi usado para pagar
pessoal”, diz Toledo
A Controladoria-Geral da União vai ajudar nas investigações para
descobrir o que está acontecendo com o dinheiro da Assembleia de
Alagoas.
“Que o Ministério Público e os órgãos de fiscalização e controle possam
se debruçar sobre toda essa documentação, para que possamos ter acesso a
quantos milhões foram desperdiçados de dinheiro público pela Assembleia
Legislativa”, destaca o deputado João Henrique Caldas.