Matéria publicada em 2007.
Herton Escobar, BOSTON.
O Brasil está fora do projeto de construção
da Estação Espacial Internacional (ISS).
Após quase dez anos de participação, mas sem nunca ter contribuído com um único parafuso para o programa, o País perdeu definitivamente a chance de assinar seu nome na lista de fabricantes da base orbital.
Segundo o especialista John Logsdon, diretor do Instituto de Políticas Espaciais da Universidade George Washington e membro do Comitê de Conselho da Nasa, “já é tarde demais para o Brasil fazer qualquer coisa, a não ser tornar-se um usuário da estação”.
“Apesar de ser improvável que a Nasa vá tomar qualquer
atitude formal para cancelar seu contrato com a Agência Espacial Brasileira, o
Brasil não aparece mais em seus documentos como um
contribuinte da ISS”, disse Logsdon, em entrevista ao Estado.
“Na prática, portanto, o Brasil não faz mais parte da parceria da estação.”
Após uma série de atrasos e complicações causadas pelo
acidente com o ônibus espacial Columbia, em 2003, a meta do consórcio
internacional da ISS, formado por 16 países (agora 15), é concluir a montagem
da estação até 2010.
O Brasil entrou para o projeto em outubro de 1997, incumbido da produção de seis peças, no valor de US$ 120 milhões - um acordo que se mostrou muito além da capacidade orçamentária da Agência Espacial Brasileira (AEB).
Em troca da produção das peças, o País ganharia
direitos de utilização da base para o envio de experimentos científicos
e de um astronauta brasileiro por tempo predeterminado.
O contrato foi revisto e reduzido significativamente ao longo dos anos.
Nada jamais foi construído.
Procurada pela reportagem, a AEB não negou as
declarações de Logsdon.
Em vez disso, anunciou planos para uma parceria ainda mais ampla com a Nasa.
“A Agência Espacial Brasileira e o Itamaraty estão iniciando negociações com a Nasa e o Departamento de Estado Norte-Americano para uma nova etapa no relacionamento de cooperação entre Brasil e Estados Unidos, que teve, em certo momento, um abalo por conta do problema da participação americana em Alcântara (veto do Congresso Nacional ao possível acordo de utilização americana da base)”, informou a agência, por meio de sua Assessoria de Comunicação.
“O interesse da AEB não é de participação apenas no
projeto da ISS, mas de uma cooperação bem maior, abrangente.
Que poderá até incluir a ISS, mas deverá ter um escopo maior.
Brasil e EUA têm se aproximado mais ultimamente e os termos de um novo acordo podem ser mais amplos”, conclui a nota.
Na avaliação de Logsdon, porém, a incapacidade do
Brasil de cumprir seus compromissos na estação deixou “um gosto ruim” na boca
da Nasa, que pode dificultar futuras parcerias.
A decisão de fazer o vôo do astronauta Marcos Pontes com a Rússia, em vez de com os EUA, também teria deixado uma má impressão, segundo ele (leia detalhes na entrevista abaixo).
PARTICIPAÇÃO PÍFIA
O Brasil foi desde o início um parceiro minoritário
dentro da ISS.
Mesmo as peças originalmente encomendadas ao País não eram cruciais para a estação, como plataformas para transporte e colocação de experimentos no exterior da base.
Agora, pressionada por seus próprios atrasos e
limitações orçamentárias, a Nasa está numa corrida contra o tempo.
A versão final da estação, de fato, deverá ser bastante reduzida em relação ao projeto original.
“Se é algo que ainda está nos planos da estação, os
EUA vão construir”, disse Logsdon.
A conclusão da ISS até 2010 - ano em que os ônibus espaciais deverão ser aposentados - é o primeiro passo dentro de um plano maior de exploração do sistema solar, que inclui a construção de uma base lunar até 2020.
Com relação ao Centro de Lançamento de Alcântara, no
Maranhão, os EUA não têm mais interesse na base.
Os países assinaram um acordo em 2000 que previa o uso do centro pelos americanos para o lançamento de foguetes espaciais.
O contrato nunca foi ratificado pelo Congresso brasileiro. “Isso era quando se achava que haveria vários lançamentos de satélites por semana e outras fantasias do tipo”, afirmou Logsdon.
DÓLARES NO ESPAÇO
US$ 120 milhões - seriam investidos pelo Brasil na
Estação Espacial Internacional, segundo o primeiro acordo firmado com a Nasa,
em 1997
US$ 8 milhões - seriam gastos pelo País após uma
renegociação com a Nasa em 2003, já que o primeiro acordo não foi cumprido
US$ 10 milhões - foi o custo do envio do
astronauta Marcos Pontes para a ISS no ano passado, pagos para a Rússia -
ainda que a viagem tivesse sido contemplada no acordo entre o governo
brasileiro e a Nasa
Entrevista
"Participação brasileira foi um
fracasso"
John Logsdon: diretor do Instituto de Políticas
Espaciais da Universidade George Washington
Especialista diz que País mostrou entusiasmo, mas não
conseguiu cumprir compromissos e resolveu fazer vôo de Marcos Pontes
BOSTON
Já é tarde demais para o Brasil ter papel relevante na Estação
Espacial Internacional (ISS).
Pode ser usuário, mas só se tiver “bons projetos” para propor.
É assim que John Logsdon, membro do Comitê de Conselho da Nasa, avalia as perspectivas do País de eventual envolvimento com os trabalhos da ISS.
Não há razão para desistir de cooperação futura, porém. “O Brasil está com o olho roxo, mas não foi nocauteado.”
Abaixo, trechos da entrevista concedida ao Estado.
O Brasil entrou para o projeto de
construção da ISS há dez anos e nunca construiu uma única peça.
Seria justo classificar a participação do País como um fracasso?
Acho que sim.
O País mostrou entusiasmo, mas não cumpriu nenhum dos compromissos que assumiu. Depois deu meia volta e decidiu fazer o vôo do astronauta (Marcos Pontes) com a Rússia.
A avaliação do Brasil era de que Pontes não teria mais
chances de voar com a Nasa por causa dos atrasos causados com a tragédia da
Columbia.
O vôo de um astronauta brasileiro estava diretamente ligado ao cumprimento dos compromissos na ISS.
Certamente, o não-cumprimento dessas obrigações e a
redução dos vôos após o acidente com a Columbia tornaram pouco provável que
(Pontes) conseguisse voar.
Mas, ainda assim, foi uma certa surpresa
para os Estados Unidos saber que o Brasil tinha recursos para pagar à Rússia por
um vôo, mas não para financiar as contribuições que prometera para a ISS.
A opção pelo vôo pago com a Rússia foi bastante criticada no Brasil, inclusive dentro da comunidade científica.
A opção pelo vôo pago com a Rússia foi bastante criticada no Brasil, inclusive dentro da comunidade científica.
Alguns chegaram a comparar Pontes a um
turista espacial.
O senhor concorda com isso?
Sim.
Ele esteve na estação apenas por alguns dias, fez
apenas algumas coisas... (pausa) Pensando bem, talvez isso seja injusto.
Até o lançamento da ISS, a maioria dos astronautas
passava cerca de uma semana no espaço, então sua experiência não foi tão
diferente do que ocorria nos anos 80 e 90.
Mas, basicamente, ele esteve na estação como um
visitante.
O que o Brasil pode fazer para recuperar seu prestígio
na ISS?
Acho que já é tarde demais para fazer qualquer coisa, a não ser se tornar um usuário da estação por meio de experimentos.
A ISS será um laboratório aberto a todos os usuários,
e, se os cientistas brasileiros tiverem bons projetos para propor, o País
poderá participar dessa maneira.
Mas certamente é tarde demais para propor qualquer
tipo de equipamento, mesmo peças modestas, como o palete expresso (que fazia
parte do contrato original do Brasil).
Para um país como o Brasil, com recursos limitados e
graves problemas sociais, quais devem ser as prioridades de um programa
espacial?
O Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE, programa brasileiro) é bastante claro em suas prioridades, que são observação da Terra, telecomunicações e capacidade de lançamento.
Não há nenhuma menção a vôos tripulados ou de
participação em projetos de exploração espacial.
Acho que a ênfase nesses benefícios para a sociedade
brasileira é inteiramente apropriada, e é nessa direção que a maior parte dos recursos
deve ser alocada.
E quanto a outras missões espaciais, além da ISS?
A discussão sobre participar em explorações além da órbita da Terra deve ser secundária, mas não zero.
Nesse momento, a Nasa está discutindo projetos de
exploração com 12 outras agências espaciais (Alemanha, França, Inglaterra,
Rússia, China, Canadá, Índia, Ucrânia, Austrália, Coréia, Itália e Japão), e os
únicos dois países que não participam são Brasil e Israel.
Me parece que seria do interesse do Brasil, ao menos,
participar das discussões.
Afinal de contas, se a previsão de o País se tornar
uma potência industrial nas próximas décadas estiver correta, acho que o Brasil
vai querer ter um programa espacial completo.
E o Brasil seria bem-vindo nessas discussões, mesmo depois
do que aconteceu na ISS?
Acho que sim.
O Brasil está com um olho roxo, mas não foi
nocauteado.
Os Estados Unidos reconhecem a importância estratégica
do Brasil no hemisfério e não vão tomar atitudes que possam empurrar o País na
direção da China, Rússia ou outros potenciais adversários futuros.
Quem é:
John Logsdon
Em 2003, participou do comitê de investigação do
acidente com o ônibus espacial Columbia.
Na área acadêmica, é professor e historiador de
políticas espaciais.
Como membro do Comitê de Conselho da Nasa, atua ao
lado de especialistas que apoiam a administração da agência espacial americana.
Fonte: DefesaNet
NOTA:
O vôo do astronauta brasileiro, foi realizado no dia 30 de março de 2006, no Centro de Lançamento de Baikonur (Cazaquistão), sendo feito na nave Soyuz.
A missão durou 10 dias, dos quais oito aconteceram na ISS, onde foram realizados os experimentos.
O astronauta pode levar 15 Kg de carga, incluindo os experimentos científicos, itens pessoais e institucionais.
Os Experimentos Científicos
Pontes levou oito
experimentos científicos que foram estudados em ambiente de
microgravidade.
Dos estudos que foram
ao espaço, seis são de instituições de pesquisa brasileiras e dois de escolas
do ensino fundamental, representadas pela Secretaria de Educação de São José
dos Campos (SP).
A escolha das
experiências ficou a critério da AEB (Agência Espacial Brasileira).