Sempre
que leio o Novo Testamento, uma constatação é inevitável: a simplicidade do que
Jesus ensinou.
Sua
mensagem, embora eloquente e arrebatadora, é tecida com o fio das coisas simples.
Ele tem
um acurado senso de observação da vida e, sobre ela, constrói uma ponte para
nos falar do Céu.
Jesus
viveu à margem da religião faustosa de seu tempo.
Logo no
início de seu ministério, escolheu a Galileia para morar.
A
Galileia ficava ao norte de Israel, uma terra simples, rural, onde havia uma
boa convivência com a natureza e com estrangeiros.
Ao sul,
ficava a Judeia, lugar do imponente templo e ricos sacerdotes.
Mas Jesus
preferiu juntar-se àqueles “caipiras” de sua época, gente humilde, de sotaque
arrastado, capaz de denunciar um Pedro medroso na noite da prisão de seu
Mestre.
Desse
cenário, Jesus extraiu ricas parábolas.
Vivas.
Ele podia
falar de ovelhas a um público acostumado à vida campestre.
Podia
dizer “Olhai os lírios do campo!”, tendo ao seu redor um manto de relva verde
pontilhado dessas belas flores.
E sempre
que leio Jesus, uma segunda constatação também é consequente: a grande
diferença entre o que Ele ensinou sobre Deus e o nosso intrincado mundo
religioso.
Nesse
intervalo de dois mil anos, a religião que se formou em torno dele é algo tão
complexo!
Dogmas.
Rituais.
Orações
para todos os gostos.
Mil
intercessores.
Teologias.
Um
exército de homens mercenários, comercializando abertamente o evangelho,
construindo teias para complicar o que é simples, atalhos que escurecem o
límpido caminho da salvação.
A
simplicidade do evangelho contrasta com grandes catedrais.
Tronos de
ouro.
Luxo.
Religião-estado.
Onde o
poder não é mais uma virtude divina, e sim poder temporal, eclesiástico, político
mesmo.
Assim
está o Brasil de hoje: retalhado em territórios religiosos.
Vendo
avançar esta ou aquela placa de igreja, mas não vendo regredir as mazelas do
País.
Simplicidade
para reduzir itens da vida.
Nada
dessa voraz teologia da prosperidade, através da qual igrejas ensinam a pecar.
A pecar
pela avareza, cobiça em querer mais e mais.
No
evangelho, Jesus continua dizendo que a vida de um homem não consiste na
quantidade de bens que ele possui.
Simplicidade.
Simplicidade
para ser tolerante no trânsito.
Se alguém
quiser nos ultrapassar, que vá em frente, leve a capa e também a túnica.
Se nos
bater moralmente pela janela do volante, que xingue também pelo banco do
carona.
Simplicidade
para não revidar.
Mas até
abençoar o perseguidor urbano: que siga em paz e na bênção de Deus!
Simplicidade na interação com o próximo, onde as nossas próprias leis se tornam manuais de amor para o outro.
Simplicidade
infalível, capaz de dispensar excelentes psicólogos e quebrar indústrias de
remédio controlado.
Pois
agora o outro não é mais um estranho: ele sou eu mesmo, mais as dificuldades
dele, menos os meus próprios erros.
Simplicidade,
na qual meu irmão é um espelho, capaz de refletir para mim exatamente o que eu
sou.
Se Jesus
aparecesse hoje por aqui, é bem provável que não procurasse algumas igrejas.
E, se
procurasse, expulsaria os modernos cambistas da fé.
Derrubaria
suas barracas de campanha e nos lembraria que a casa de Deus deve ser
reconhecida como lugar de oração.
Simplicidade
de culto.
Simplicidade
de Deus.
Muita
coisa em que hoje cremos foi construída pela história.
Por isso,
é indispensável uma boa leitura do evangelho.
Nada de
mergulhar cegamente no caudaloso rio da religião.
É sempre
bom olhar a nascente do cristianismo.
Ouvir o
que Jesus tem a dizer.
Porque,
passados dois mil anos, os homens estão complicando muito.
Rui Raiol
é escritor