Aconteceu
que, indo eles pelo caminho, veio um homem que lhe disse: Seguir-te-ei para
onde quer que vás.
Jesus disse-lhe: As raposas têm seus covis e as aves do céu
têm seus ninhos, mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça.A outro
disse: Segue-me.
Mas ele disse: Senhor, permite-me que vá primeiro sepultar meu
pai.
Mas Jesus respondeu: Segue-me, e deixa que os mortos enterrem os seus
mortos; tu vai e anuncia o reino de Deus (Lucas 9, 57-60; Mateus 8, 19-22).
ATITUDE PERANTE A VOCAÇÃO.
O significado dos dizeres acima
reproduzidos entende-se bem à luz do respectivo contexto, contexto que no
Evangelho de São Lucas é um pouco mais explícito do que no de São Mateus.
Na verdade, os Evangelistas nos
apresentam sucessivamente duas atitudes dos homens perante uma chamada do
Divino Mestre – a chamada para seguirem a Cristo na qualidade de discípulos.
A primeira atitude é a da generosidade aparente, mas superficial.
Com efeito, alguém se
apresentou ao Divino Mestre afirmando: Mestre,
seguir-te-ei para onde quer que vás.
A esse fervor pouco experimentado,
dizem os Evangelistas, Jesus houve por bem responder com reservas, mostrando as
dificuldades do propósito: segui-lo seria expor
-se a todas as espécies de
privações, pois as raposas têm os seus
covis, e as aves do céu os seus ninhos, mas o Filho do homem não tem onde
reclinar a cabeça, advertiu o Senhor.
A segunda atitude do homem
perante a chamada de Cristo é a da vacilação.
Certa vez, o próprio Divino
Mestre dirigiu a alguém o convite: Segue-me.
Ao que o discípulo replicou: Senhor, permite-me que vá primeiro sepultar
meu pai.
Não se dando por satisfeito com a
resposta, Cristo insistiu: Segue-me,
e deixa que os mortos enterrem os seus mortos.
Alguns comentadores julgam que o
pai do jovem se achava ainda em vida, se bem que gravemente enfermo.
O mancebo teria então pedido ao Senhor o prazo mais ou menos longo que decorreria até a morte e
o sepultamento do doente, talvez pensando em esquivar-se definitivamente ao
convite de Jesus.
A maioria dos exegetas, porém,
admite que o ancião já morrera e que o jovem pedia apenas o exíguo tempo
necessário para participar dos funerais.
Como quer que seja, num e noutro
caso o pedido parecia muito legítimo: prestar assistência aos genitores e
sepultar os mortos eram obras altamente estimadas pelos judeus piedosos.
E já que os judeus costumavam
sepultar no próprio dia da morte (Atos 5, 5-6), o pedido do jovem não implicaria
em grande atraso para seguir o Divino Mestre.
Contudo, Jesus não quis
reconhecer a legitimidade da súplica.
Em particular, o sepultamento dos
defuntos era tido como dever tão imperioso que os rabinos dispensavam das
orações usuais e do estudo da Lei os filhos que tivessem por sepultar pai ou
mãe (o tratado do Talmud, Berachot 17,
2); além disso, a própria Escritura Sagrada, por suas narrativas, muito parecia
recomendar aos filhos o cuidado de sepultarem os seus pais (Gênesis 25, 9; 50, 5;).
Não porque o cuidado dos mortos
não seja em si uma obra boa, mas porque, no caso focalizado, a atitude do
mancebo significava falta de generosidade para com Deus, significava certa
covardia ou também um coração dividido entre o amor a Deus e o amor às
criaturas.
Ora, o Senhor quer ser amado
acima de tudo; é, aliás, a reta hierarquia de valores que o exige: ou Deus
ocupa o lugar capital na vida do homem, norteando todas as suas atitudes, ou
simplesmente dever-se-á dizer que Deus não existe para esse homem; ninguém se
iludirá julgando que cultua a Deus pelo fato de Lhe consagrar algumas de suas
atitudes ou algumas de suas horas na vida.
O VALOR ABSOLUTO.
Uma pequena digressão servirá
para ilustrar quanto acabamos de dizer.
Um monge hindu dizia com muito
acerto: “Deus é a unidade sem a qual só existem zeros”.
Com efeito, Deus é, por
definição, o Ser Absoluto – o que significa: o Valor Absoluto.
Deus é, sim, o Valor que torna
valiosa toda e qualquer criatura, e sem o qual esta é vazia e enganadora.
Imaginemos uma série de três
zeros, outra de seis, outra de nove zeros:
000
000 000
000 000 000
Os zeros que se acrescentam aos
zeros nada alteram; tudo fica sendo zero…
Mas coloquemos o número Um, uma
só unidade, coisa simplicíssima, na série…
Se pusermos o “Um” em último
lugar, o conjunto, por mais longo que seja, ficará valendo muito pouco, será
uma ninharia…
Se o colocarmos em penúltimo
lugar, já o conjunto valerá dez, o que ainda é muito pouco…
Caso ponhamos a unidade em
terceiro, em quarto, em quinto lugar, a série irá aumentando de valor (cem,
mil, dez mil…).
Finalmente, se se coloca o número
Um à frente de cada série, ter-se-á:
1.000 = mil
1.000.000 = um milhão
1.000.000.000 = um bilhão
Coisa estupenda!
Os zeros tomam imenso valor desde
que o “Um” lhes seja anteposto e os ilumine.
Pois bem; Deus é esse “Um” sem o
qual as criaturas nada são.
Se Deus ficar em último lugar na
vida do homem, esta se apresentará sempre como insípida bagatela, ninharia
vazia…
Uma vez, porém, que se ponha Deus
incondicionalmente em lugar capital, cada bagatela, cada zero da vida toma
valor imprevistamente grande.
O homem pode acumular mil bens
criados no seu tesouro; se chegarem a fazer empalidecer ou a remover a face de
Deus no horizonte do indivíduo, esses bens, por mais numerosos que sejam,
equivalerão a uma longa série de zeros; deixarão o seu possuidor sempre
frustrado e insatisfeito…
Mas se o cristão puser Deus à
frente de cada criatura e procurar ver tudo sob a perspectiva dEle, então e
somente então esse homem começará a compreender o valor das criaturas; começará
a compreender também que seguir Cristo é o maior de todos os bens e que a vida,
vivida em fidelidade absoluta ao Senhor, vale, apesar de tudo, a pena de ser
vivida!
A ÚNICA RESPOSTA.
Voltando ao texto do Santo
Evangelho, diremos consequentemente que, no caso da chamada dirigida pessoalmente
por Jesus ao jovem, só uma resposta era adequada: a aceitação imediata, não
postergada por qualquer outra tarefa; embora esta fosse em si legítima – como o
sepultamento dos mortos –, naquelas circunstâncias tornava-se condenável
porque, em vez de levar o discípulo a amar mais a Deus, servia para diminuir e
entibiar a sua adesão ao Bem Infinito.
Eis o motivo da insistência
apresentada por Cristo.
Contudo, a segunda parte da frase
do Senhor costuma também causar estranheza: Deixa que os mortos enterrem os seus mortos.
A construção da frase quer
afirmar também que existem três tipos de mortes: morte física, morte
espiritual, e morte eterna.
O pai do jovem mancebo conforme
dá-nos entender a segunda frase, estava morto fisicamente, espiritualmente e
eternamente, porque morrera sem ter se preocupado com os valores eternos, só se
preocupara em vida, com os valores materiais e terrenos.
Àqueles
que estavam no velório, estavam mortos espiritualmente porque ainda não haviam
vislumbrado a conversão em Jesus Cristo, nascendo de novo da água e do Espírito
Santo, e que para isso precisavam ouvir a mensagem de salvação para as suas
almas, antes da morte física, que é onde se finda toda a possibilidade de se
conquistar a salvação eterna.
“E, como
aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo depois disso o juízo...”.
HEBREUS 9: 27.
Por isso que Jesus Cristo disse
ao jovem enlutado que ele fosse ao velório do seu pai, mas não com o objetivo
daqueles que estavam velando o corpo do morto, mas com uma missão especial,
anunciar o reino de Deus aos que estavam mortos espirituais. “... tu vai e anuncia o reino de Deus”.
“Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição
e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá;...”. JOÃO 11: 25.
Anunciar o reino de Deus é
exatamente dizer para os mortos espirituais deste mundo, que quem crê e aceitar
Jesus Cristo como Senhor e Salvador de suas vidas e andar de conformidade com
Seus ensinos, deixam de ser mortos espirituais e ressuscitam para a vida eterna.
Em suma.
Jesus quer dizer que, para
sepultar cadáveres materiais – ou os mortos, no sentido físico –, há sempre
gente suficiente; há, sim, todos aqueles que não são chamados à vida da graça e
do apostolado, gente talvez indiferente aos interesses do Reino de Deus.
Tais
pessoas vivem para o mundo e para as tarefas deste mundo; são por Jesus
designadas metaforicamente como “mortos”…
Esta figura de linguagem, forte
como é, justifica-se pelo desejo que Jesus tem de realçar a grandeza e a
premência da vocação dirigida ao jovem mancebo; chamado a seguir diretamente a
Jesus, ele possui o quinhão por excelência, em comparação com o qual tudo
empalidece ou desaparece, morre.
A figura também se explica pelo
uso dos rabinos, que costumavam considerar como mortos – em espírito – os
indivíduos que viviam alheios ao Reino de Deus.
Aliás, um eco bem significativo
desse uso ressoa no texto de São Paulo: A
viúva que vive em prazeres está morta, embora pareça viva (1 Timóteo 5, 6).
Consequentemente, os mestres de
Israel tinham os homens piedosos na conta de “vivos”, mesmo que estes se vissem
atribulados e condenados à morte (2 Coríntios 4, 7-12).
Por conseguinte, Jesus quer
incutir ao discípulo que Ele chama a preciosa norma: “Deixa o cuidado dos
mortos ou, mais amplamente ainda, o cuidado das coisas mortais ou temporais,
aos homens que, por desconhecerem valores mais elevados, se dedicam
profissionalmente a isso; tu, porém, que recebeste a melhor das vocações, não queiras
viver como se não a tivesses, mas volta-se decididamente para os valores
eternos”.
Durand comenta assim as palavras
de Jesus: “Admiramos o soldado que, no caso de extremo perigo da pátria,
permanece em seu posto na frente de combate, deixando aos de trás o cuidado de
sepultar o seu pai.
Como então nos contentaríamos com
uma dedicação menor, ao tratar-se do Reino de Deus?” (Com. em Mateus, 133).
Por fim, o episódio que acabamos
de analisar ainda sugere uma reflexão: em dados momentos da vida, a maior graça
que Deus pode conceder a uma alma é a de pedir-lhe um ato de heroísmo.
Esse ato, esse impulso forte,
ainda que faça sofrer, vem a ser a condição imprescindível para que o cristão
se eleve acima de seus interesses temporais ou para que fortaleça a sua
verdadeira vida, e não se torne um morto a sepultar mortos no cemitério das
coisas temporais.
Estudem a Bíblia Sagrada para
conhecer o verdadeiro plano de salvação eterna ensinado por Jesus Cristo e seus
apóstolos.
Valter Desiderio Barreto.
Ministro do Evangelho desde 20 de agosto de 1978.
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