No país, há registro de apenas 5 casos de uso de informação privilegiada que resultaram em processos penais; acusados em outras ações não foram presos; entenda como funciona investigação.
Por Darlan Alvarenga e Marina Gazzoni, G1
A prisão preventiva dos irmãos Wesley e Joesley Batista,
controladores do grupo J&F, em investigação de crime de insider
trading (uso indevido de informações privilegiadas para lucrar no
mercado financeiro) é uma decisão inédita, segundo especialistas e
advogados ouvidos pelo G1.
Isso porque esse tipo de irregularidade raramente costuma ir para a esfera penal ou resultar em pena de prisão.
Segundo levantamento do pesquisador Renato Vilela, do Núcleo de Estudos
em Mercados e Investimentos da FGV Direito, de um total de mais de 50
casos julgados pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários) desde 2002,
apenas 5, incluindo o da JBS, chegaram à esfera criminal. Veja lista mais abaixo
“Já temos um histórico de alguns casos que foram para a esfera criminal, mas prisão preventiva é a primeira vez”, afirma.
O advogado especialista em mercado de capitais e professor do Insper,
Evandro Pontes, avalia que a decisão abrirá um novo precedente no
direito brasileiro.
“Não há nenhum registro no Brasil que a gente tenha
notícia de alguém que tenha ido para a prisão por conta de insider
trading."
Segundo ele, essa decisão causou um alvoroço muito grande no setor
jurídico por ser preventiva.
"Isso é algo até então nunca visto”, diz.
"Tecnicamente se dizia que é impossível prender preventivamente porque o
trading já ocorreu.
Dessa vez, o juiz focou muito mais no fato dele ser
insider.
Ou seja, fez (o uso da informação privilegiada) e mostrou que
tem apetite para continuar fazendo, daí a justificativa para a prisão
preventiva", analisa.
Lucro com venda de ações e dólar
A prisão preventiva dos irmãos Batista
foi decretada pelo juiz João Batista Gonçalves, da 6ª Vara Criminal
Federal de São Paulo.
Os irmãos Batista são suspeitos de ter usado
informações privilegiadas para lucrar no mercado de câmbio e ações em
operações feitas entre abril e 17 maio de 2017, data de divulgação de informações relacionadas ao acordo de colaboração premiada firmado entre executivos da J&F e a Procuradoria Geral da República (PGR).
A JBS admitiu que comprou dólar
antes da divulgação das notícias sobre a delação, mas negou que visava o
lucro.
A empresa alegou que buscava "proteção financeira" para seus
negócios, que tem dívida e receitas em dólar.
Outra operação investigada é a venda de ações dos controladores da JBS
para a tesouraria da empresa.
Há também outras investigações em curso
envolvendo empresas do grupo, como a Seara e Banco Original.
Ao todo, há
13 processos e inquéritos para apurar operações relacionadas ao grupo na CVM.
Com a posse de informação privilegiada, os irmãos teriam evitado uma perda de R$ 138 milhões com
a venda de ações, além de ter obtido um lucro de US$ 100 milhões de
dólares com operações de câmbio, segundo o Ministério Público Federal
(MPF).
No dia seguinte à notícia de que a empresa fechou delação
premiada, o dólar disparou 8%.
Pierpaolo Cruz Bottini, advogado de defesa dos irmãos Batista,
classificou como "injusta, absurda e lamentável" a prisão preventiva
desta quarta.
Segundo ele, a dupla de empresários "sempre esteve à
disposição da Justiça, prestou depoimentos e apresentou todos os
documentos requeridos".
"O estado brasileiro usa de todos os meios para
promover uma vingança contra aqueles que colaboraram com a Justiça",
completou.
Lei prevê prisão, mas na prática se limita em multas
Desde 2001, a legislação brasileira prevê penas de 1a 5 anos de prisão e
multa de até 3 vezes o montante da vantagem ilícita obtida para o crime
de insider trading.
As investigações, geralmente, começam na CVM, órgão regulador do
mercado de capitais, que julga os casos do ponto de vista
administrativo.
A CVM pode multar os acusados e eventualmente proibir
sua atuação no mercado de capitais.
Se constatar indícios de crime contra o sistema financeiro, pode
encaminhar o caso ao Ministério Público.
Cabe aos procuradores entrar
com a ação penal e à Justiça julgar se os acusados cometeram ou não
crime.
Na maioria dos casos, entretanto, os casos não vão além de processos
administrativos na CVM ou se arrastam por anos na Justiça.
A primeira condenação por insider trading no Brasil foi a de um
ex-diretor de Finanças e Relações com Investidores da Sadia envolvido em
operações de derivativos fizeram companhia perder R$ 2,5 bi em 2008.
O executivo teve a condenação confirmada pelo STF, mas a pena de de 2
anos e 6 meses de prisão foi convertida já na 2ª instância em prestação
de serviços.
Na CVM, foram julgados 29 processos sobre informação privilegiada entre
2011 e 2017. Ao todo, a CVM condenou 46 pessoas físicas ou jurídicas.
A
maior multa por acusado decretada foi contra o Credit Suisse Internacional, de R$ 22,7 milhões.
A segunda da lista é a multa de R$ 21 milhões aplicada a Eike Batista (leia mais abaixo), mas a decisão não é final.
Há ainda 16 processos que tiveram por insider que acabaram em acordo, envolvendo 25 acusados, segundo a CVM.
“90% das punições hoje são multas”, afirma Vilela.
Ele explica que a
pena administrativa pode ser até 3 vezes o montante da vantagem ilegal
obtida e que as multas podem ser milionárias.
No levantamento do pesquisador da FGV Direito, de um total de mais de
50 casos julgados entre 2002 e 2019, em 24 deles todos os acusados foram
absolvidos.
Entraves.
E por que poucos processos chegam na esfera criminal?
Segundos os
analistas, caberia ao MPF dar mais atenção a esse tipo de crime.
“Há um desaparelhamento de infraestrutura mesmo.
É pouca gente para
muita coisa.
Basicamente é um volume muito grande de trabalho e pouca
gente”, avalia Pontes.
Para Vilela, há também nuances na legislação que dificultam o
enquadramento na esfera penal de todos os envolvidos nos casos de
insider trading.
“A condenação criminal por insider trading só cai em cima daquele que
usou informação privilegiada e tinha o dever de guardar a informação.
São as duas coisas juntas”, explica.
Ou seja, há um entendimento de que
operadores de fora das companhias envolvidas estariam sujeitos apenas às
penas administrativas.
Para o advogado, casos como o da JBS trazem ainda uma dificuldade extra
por envolverem operações de câmbio.
“Tem que fazer uma ginástica
jurídica para enquadrar como insider, não é tão simples.
Pois foi uma
informação política que gerou repercussão no câmbio.
Será que isso deve
ser considerava uma informação privilegiada da companhia", pergunta.
Pontes, por sua vez, avalia que a prisão preventiva dos irmãos Batista
tende a abrir um novo entendimento sobre o enquadramento criminal do uso
de informações privilegiadas para benefício próprio e lucro no mercado
financeiro.
"Ainda há uma dificuldade grande de entender o quão grave esse crime é
pelo fato de não ser cometido por violência entre aspas.
Mas é um crime
gravíssimo, é como corrupção, estelionato”, resume.
Casos de insider que foram para a esfera penal
Veja abaixo os 5 casos de insider trading que chegaram à esfera
criminal, segundo levantamento de Renato Vilela, do Núcleo de Estudos em
Mercados e Investimentos da FGV Direito:
Caso Sadia-Perdigão
- Resumo: O ex-diretor de Finanças e Relações com Investidores da Sadia, Luiz Gonzaga Murat Júnior, e o ex-integrante do Conselho de Administração da empresa, Romano Ancelmo Fontana, foram condenados por usar informações privilegiadas das negociações sobre a aquisição da Perdigão para comprar (ADRs) recibos de ações da Perdigão negociados na bolsa de Nova York.
- Condenação: Ambos tiveram as penas convertidas em prestação de serviços comunitários, além de pagamento de multa de mais de R$ 300 mil cada um.
- Status do processo: transitado em julgado
Caso OSX
- Resumo: Empresário Eike Batista é acusado dos crimes de manipulação de mercado e uso de informações privilegiadas na negociação de ações da empresa de construção naval. Saiba mais
- Status do processo: audiência marcada para outubro
- Na CVM, Eike foi condenado em junho a pagar multa de R$ 21 milhões, mas cabe recurso.
Caso Randon
- Resumo: ex-sócios e executivos da empresa gaúcha são acusados de lucrar com a compra de ações valendo-se de informações privilegiadas
- Status do processo: em tramitação em 1ª instância; controladores foram absolvidos
- A CVM aplicou em 2007 multas em um total de mais de R$ 269 mil ao controlador, executivos e familiares.
Caso Mundial
- Resumo: Rafael Ferri (agente autônomo de investimento) e Michael Ceitlin (controlador e diretor presidente da empresa) são acusados de inflar as açõs da Mundial em 2011
- Status do processo: decisão proferida em 1ª instância
- Sentença: Réus foram condenados a 3 anos e 9 meses de reclusão, mas as penas foram substituídas por prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas.
Caso JBS
- Resumo: Joesley e Wesley Batista, acionistas controladores da JBS, são acusados de usar informação privilegiada para lucrar no mercado financeiro no mercado de ações e câmbio antes da assinatura de sua delação premiada.
- Status do processo: Justiça decretou prisão preventiva de Wesley e Joesley Batista; audiência de custódia foi realizada nesta quarta-feira (13).
Nenhum comentário:
Postar um comentário