'A Venezuela é uma ditadura' e 'todo mundo odeia Maduro' são algumas das frases ouvidos sobre o país; mas elas representam a realidade?
Guarda Nacional monitora a venda em Caracas (Foto: REUTERS/Carlos Garcia Rawlins)
Nos últimos três anos, a crise na Venezuela se agravou, a ponto de fomentar relatos, dentro e fora do país, pintando um cenário bastante catastrófico da situação no país.
Mas em meio à polarização da sociedade e à forte politização de relatos
da mídia, muito do que está sendo dito é baseado em impressões
exageradas.
Mas até que ponto as coisas estão tão ruins no país - que foi rico e hoje é pobre.
Destacamos cinco tópicos que parecem estar enraizados na opinião de muitos sobre a Venezuela.
1. "Na Venezuela há fome"
Em algumas regiões da Venezuela se passa fome, mas não a maioria da população.
Em algumas regiões da Venezuela se passa fome, mas não a maioria da população.
90% dos venezuelanos disse em 2015 ao levantamento Encovi que está comendo menos e com menor qualidade.
De fato, a crise alimentar se aprofundou em 2016; se veem mais filas e
são relatados mais casos de subnutrição, com mais pessoas que comem duas
ou menos vezes por dia.
Mas a situação não se enquadra no que o Programa Alimentar Mundial das
Nações Unidas define como uma escassez generalizada de alimentos: que
pelo menos 20% das famílias sofram escassez severa; que a desnutrição
seja de mais de 30% e que ao dia morram 2 pessoas a cada 10.000.
De acordo com Datanalisis, instituição de pesquisa mais citada a esse
respeito, 43% das famílias sofrem de escassez, mas de produtos básicos,
como arroz, farinha ou leite.
E por mais caros que sejam, os venezuelanos têm frutas e verduras disponíveis em cada esquina.
De acordo com a Fundación Bengoa, especialista nesta área, a desnutrição está entre 20% e 25%.
Mas duas mortes (de fome) por dia a cada 10 mil pessoas não parece um número factível neste momento.
Os números mais graves que têm sido relatados sobre este assunto foram
dados pela oposição em junho: 28 mortes por dia de desnutrição.
Mas de acordo com a ONU, uma situação de escassez geral na Venezuela,
onde há 30 milhões de pessoas, implicaria em 6 mil mortes por dia devido
à desnutrição.
Especialistas venezuelanos concordam que o que acontece no país não é o
mesmo que na Etiópia nos anos 80 ou na Coreia do Norte em 1990.
Mas muita gente tem alertado: "estamos à beira da fome."
Escassez de alimentos nas famílias é de 43% e se trata de produtos
básicos, como arroz, farinha ou leite (Foto: REUTERS/Carlos Garcia
Rawlins)
2. "Venezuela é igual a Cuba"
Em geral, três elementos permitem argumentar que "a Venezuela se cubanizou", como alguns dizem: as filas para comprar produtos racionados, a dualidade da economia e da militarização do governo (onde a inteligência e o governo cubano têm influência).
Mas essa comparação só pode ser feita até aí.
Maduro tem procurado manter uma relação especial com Cuba, que começou no governo de Chávez
A Venezuela é um país capitalista onde o setor privado tem certa
atividade, apesar das restrições e expropriações do Estado - que adquire
cada vez mais controle sobre a economia.
Em Cuba, o setor privado é
mínimo.
Na Venezuela, a internet é a mais lenta da região, mas quase todos têm
conexão com acesso ao Facebook, Netflix e meios de comunicação
internacionais críticos ao governo.
Em Cuba não.
O McDonald's - que não está em Cuba - tem problemas para importar
batatas fritas, mas ele está lá, cheio de pessoas comendo sorvete aos
domingos.
Na Zara e Bershka quase não tem roupas ou elas são impagáveis, mas
existem no país, em um shopping enorme do qual os cubanos não têm nem
uma versão pequena.
Os últimos modelos de carros são vendidos apenas em dólares, mas há
pessoas que os compram.
E estão nas ruas. Em Cuba, apenas em filmes de
Hollywood.
No país há espanhóis e norte-americanos, sucursais das multinacionais
mais importantes do mundo e meios de comunicação independentes de todo o
mundo.
Não em Cuba.
Além disso, a Venezuela é um país produtor de petróleo, com enormes
reservas, e não é uma ilha, dois elementos decisivos de sua condição,
que por mais trágica que se torne, gerará situações que não podem
acontecer em Cuba: por exemplo, o contrabando na fronteira.
3. "A Venezuela é uma ditadura"
É um debate acadêmico que leva alguns anos: se na Venezuela há uma "ditadura moderna" ou um "regime híbrido".
É um debate acadêmico que leva alguns anos: se na Venezuela há uma "ditadura moderna" ou um "regime híbrido".
Mas são poucos os especialistas, no país e no exterior, que falam de uma ditadura tradicional.
Primeiro, eles dizem, porque há oposição, por mais que não tenha acesso
a recursos que o partido governista tem - e apesar das prisões e
restrições a que representantes seus tenham sido sujeitados.
E há eleições, embora tenham removido alguns poderes da Assembleia
Nacional - eleita com votos - quando ela passou a ser controlada pela
oposição.
Em segundo lugar, a imprensa independente na Venezuela, apesar dos
problemas - falta de papel, pressão do governo e com muitos de seus
jornalistas em julgamento ou na prisão - existe.
O grau de democracia no país parece ser medido de acordo com a posição
política da pessoa que o faz: se poucos analistas falam em "ditadura
total", somente uma minoria também acredita que haja "uma plena
democracia".
4. "Todo mundo odeia Maduro"
Muitos fora do país perguntam como é possível que Maduro ainda esteja no poder.
De acordo com várias pesquisas, ele tem entre 20% e 30% de apoio.
Há venezuelanos que se consideram chavistas, que dizem apoiar Maduro
nas pesquisas, mas que, quando falam à imprensa, soltam uma série de
insultos contra o presidente.
Estas são as pessoas que o sentimento de apreço pelos benefícios sociais do passado impede de criticar abertamente o governo.
Ou as pessoas com medo de perder a casa, pensão ou vales-alimentação que recebem do governo.
Há também milhares de venezuelanos que estão "enchufaos", como se diz
no país, em referência à rede de corrupção que se beneficia
economicamente do governo.
Em todo o caso, o apoio de 30% é mais do que tem os presidentes de Chile e Colômbia.
Alguns dizem que o chavismo é doente terminal, mas Chavez continua a
registrar 60% de aprovação, por isso, é difícil pensar no fim do
chavismo, por mais aguda que seja crise.
5. "Você não pode sair de casa"
A criminalidade desenfreada e o medo levou alguns a preferirem assistir a um filme em casa do que ir a um bar à noite.
Mas ainda há muitos, não só em Caracas, mas em todo o país, que vão a discotecas, bares e restaurantes.
Paradoxalmente, no lugar onde há mais assassinatos, nos bairros
populares, a noite é tão ativa como em qualquer cidade, mas nas áreas de
classe média e alta as ruas ficam desertas após as 21h.
Na Venezuela deve-se ter um perfil discreto, não falar no celular nem
mostrar uma câmera na rua.
Quanto mais velho for o carro e as roupas que
se veste, melhor.
Ter guarda-costas ou carro blindado às vezes pode ser contraproducente.
Apesar disso, os centros das cidades e vilarejos são durante o dia são
tão ou mais agitados do que em qualquer outro lugar na América Latina.
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