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quarta-feira, fevereiro 24, 2016

Governança global e a ‘maldição dos recursos’

Exploração de minerais na província de Tete, no centro de Moçambique.  (crédito: Portuguese Independent News Network)


Pensar o uso de recursos naturais e o desenvolvimento sustentável, a partir do Direito Internacional foi a motivação para o seminário que aconteceu no último dia 11, na Universidade de Warwick, no Reino Unido.

O tema é cada vez mais relevante para o Direito internacional, já que a exploração dos recursos naturais é uma das maiores causas de conflitos internacionais e instabilidade política. 

O evento reuniu especialista da América Latina, Central e do Norte, além de Europa, África e Oriente Médio. A pesquisadora associada do IETS, integrante também do Center for Latin American Studies da Stanford University, Patrícia Galvão, estava entre os participantes. Especialista em Direito e Desenvolvimento e em Governança Global, Patrícia discorreu sobre a Iniciativa para Transparência na Indústria Extrativa (EITI).

Em entrevista ao IETS, a pesquisadora disse que nos últimos dez anos houve a necessidade de se criar ações internacionais, como a EITI, para tentar promover mais transparência e boa governabilidade na gestão de recursos naturais em países como Chade, Nigéria e Moçambique, pobres em indicadores humanos, porém ricos em recursos naturais.

Patrícia também comentou sobre a posição do Brasil nesse cenário.

Para a especialista, é inegável a crescente presença política e econômica brasileira em países menos desenvolvidos, em especial na América Latina e África. 

Cada vez mais, empresas extrativas nacionais, como a Petrobras e a Vale, estão atuando em países com grande potencial de recursos naturais, porém pobres em governabilidade. 

Essa crescente presença internacional, acredita a pesquisadora pode motivar o surgimento de conflitos de interesses entre o Brasil e seus parceiros menos desenvolvidos.

Leia abaixo a entrevista com Patrícia Galvão:

IETS: As decisões sobre o uso dos recursos naturais e os caminhos para o desenvolvimento de um país devem ser avaliadas com base no direito internacional? Qual é a justificativa para isso? 

Patrícia Galvão: De acordo com a Carta das Nações Unidas e princípios de direito internacional, cada país tem o direito soberano de decidir sobre o uso e gestão de seus recursos naturais e sobre o papel desses recursos nas estratégias de desenvolvimento nacional. 

Cada país tem também a responsabilidade de adotar políticas públicas para lidar com os impactos sociais e ambientais provocados pelas atividades de extração desses recursos. 

 Assim sendo, nenhum outro país ou entidade internacional deve interferir nas decisões de países soberanos nessa área. 

O direito internacional seria aplicável apenas em casos excepcionais, quando existam disputas entre países sobre a propriedade de recursos naturais transfronteiriços (caso dos tratados entre Timor Leste e Austrália para definir a propriedade das reservas de petróleo e gás encontrados no compartilhado Mar do Timor), ou quando as externalidades negativas da exploração de recursos naturais transcendam os limites territoriais de um país (caso do projeto em andamento na Comissão de Direito Internacional da ONU para adotar parâmetros internacionais de prevenção de danos transfronteiriços relacionados a atividades com risco ambiental).

 Na teoria ? e em um mundo ideal ? cada país deve se encarregar de adotar políticas nacionais públicas definindo se, quando e como os recursos naturais em seu território serão explorados, e a distribuição e destinação das rendas provenientes desses recursos, de forma a que exploração desses bens coletivos possa contribuir para o desenvolvimento econômico e social.

Na prática, porém, diversos fatores fizeram com que a gestão de recursos naturais no âmbito nacional tenha se tornado um objeto legítimo de preocupação internacional, e, portanto um assunto a ser discutido e potencialmente regulado internacionalmente. 

Um primeiro fator a ser destacado são os fortes impactos ambientais e sociais que caracterizam a indústria extrativa de recursos naturais.

Esse setor econômico registra, por exemplo, o maior número de casos de conflitos entre empresas transnacionais e comunidades locais e povos indígenas, de graves violações de direitos humanos e de acentuada degradação ambiental.

Embora muitos países em desenvolvimento tenham conseguido assegurar o seu direito de exercer maior controle e garantir maiores benefícios com a exploração de seus recursos naturais, eles não assumiram devidamente a responsabilidade de evitar, minimizar ou compensar danos ambientais e sociais relacionados a essas atividades. 

Além disso, a exploração crescente de recursos naturais - especialmente os não-renováveis - está intimamente relacionada com o atual modelo de desenvolvimento econômico mundial, que muitos consideram ameaçar o equilíbrio do meio ambiente em escala global. 

Diversos tratados internacionais em matéria ambiental e de direitos humanos, especialmente os aprovados na esteira do movimento de desenvolvimento sustentável após a Guerra Fria, estabelecem parâmetros globais que visam influenciar a forma como os países gerenciam os impactos sociais e ambientais das suas indústrias extrativas.

IETS: A abundância de recursos naturais nem sempre resulta no desenvolvimento de um país, não é verdade? 

Patrícia Galvão: Existe uma relação ambígua e muitas vezes paradoxal entre a exploração e exportação intensivas de recursos naturais e o desenvolvimento econômico e humano de um determinado país. 

 A partir da década de 1980, varias agências bilaterais e multilaterais de desenvolvimento passaram a promover a exploração de recursos naturais em países muito pobres - tais como o Chade, a Guine Equatorial e a República do Congo - como um motor para alavancar o desenvolvimento econômico de países que têm dificuldade para estabelecer ou atrair outras indústrias ou setores estratégicos.

No entanto, também a partir da década de 1980, vários estudos passaram a mostrar que um número expressivo de países ricos em recursos naturais tendia - contra intuitivamente - a apresentar menor crescimento econômico a longo prazo quando comparado a seus pares pobres em recursos. 

Além disso, esses países tendiam a apresentar piores indicadores de desenvolvimento humano nas áreas de educação e saúde, e seriam mais propensos a regimes autoritários e a conflitos civis.

Diversos acadêmicos e pesquisadores afirmam que essa "maldição dos recursos" está relacionada a vários incentivos perversos de economia política associados às vultosas rendas externas obtidas com a exportação de recursos naturais abundantes. 

Essa "maldição", no entanto somente acometeria países que não possuem um arcabouço institucional de governabilidade mínimo, arcabouço esse considerado indispensável para lidar com os tais incentivos perversos.

A preocupação da comunidade internacional passou a ser a de promover a melhoria do arcabouço institucional desses países, para que pudessem beneficiar-se dos seus recursos naturais abundantes. 

Até meados dos anos 2000 o modelo usado para realizar esse objetivo foi o de acordos bilaterais e/ou multilaterais de ajuda para o desenvolvimento, com ou sem o uso de condicionalidades.

Os inúmeros esforços e investimentos financeiros para promover o fortalecimento de instituições nacionais de governabilidade em países pobres em indicadores humanos, porém ricos em recursos naturais não foram frutíferos até o momento. 

Os indicadores de governabilidade desses países continuaram estagnados e em alguns casos deterioraram.

Com a chamada nova "corrida de recursos" na África, alimentada especialmente pelo expressivo crescimento econômico chinês, aumentou a preocupação internacional com a probabilidade de que muitos países terminarão reféns da "maldição dos recursos".

IETS: Existe um esforço internacional para reverter essa tendência? 

Patrícia Galvão: Nos últimos dez anos duas iniciativas internacionais foram criadas para tentar promover mais transparência e boa governabilidade na gestão de recursos naturais em países como Chade, Nigéria e Moçambique. 

Uma dessas iniciativas é uma parceria multisetorial transnacional com a participação de governos, companhias de petróleo e minérios e organizações da sociedade civil. 

Ela se chama "Iniciativa para a Transparência da Indústria Extrativa", ou EITI pelas suas iniciais em inglês.

O EITI estabelece parâmetros mínimos de transparência e participação na gestão de recursos naturais, e um processo de verificação multisetorial da implementação desses parâmetros por países participantes. 

O segundo modelo de iniciativa foi adotado inicialmente pelos Estados Unidos, que aprovaram uma legislação extraterritorial requerendo que qualquer empresa extrativa listada em bolsas de valores americanas declare todos os pagamentos que fazem a governos de países estrangeiros. 

Agora a União Europeia aprovou uma lei semelhante, e o Canadá já estuda adotar a mesma medida.

Apesar dessas leis extraterritoriais afetarem diretamente a empresas transnacionais listadas em bolsas de valores em países desenvolvidos, seu objetivo é contribuir para a maior transparência da gestão de recursos em países em desenvolvimento que não contam com sistemas mínimos de governabilidade.

IETS: Como essa discussão influenciará os caminhos do Brasil?
Patrícia Galvão: A discussão sobre padrões globais de governabilidade para a gestão nacional de recursos afeta o Brasil em duas vertentes distintas, uma interna e uma externa. 

Por um lado está a questão sobre se esses padrões estão - ou não - influenciando a forma como o Brasil regula e administra os seus próprios recursos naturais, e de que maneira. 

Por outro lado, cabe analisar como o nosso país tem se posicionado - e como deveria se posicionar - em relação a padrões globais que visam afetar o desenvolvimento econômico e social de países menos desenvolvidos do que o Brasil.

O Brasil já percorreu um longo caminho na construção de instituições nacionais de governabilidade, incluindo um arcabouço institucional nacional de transparência e controle social na gestão de recursos naturais que se equipara ao de países mais desenvolvidos. 

Em uma pesquisa comparativa da qualidade da governança nos setores de petróleo, gás e minérios em 58 países, divulgada pelo "think and policy tank" Revenue Watch Institute em 2013, o Brasil ficou em 5o lugar, atrás apenas da Noruega, Estados Unidos, Reino Unido e Áustria e a frente do Canadá e Chile.

Apesar desses avanços ainda enfrentamos o desafio de consolidar esses ganhos institucionais e de implementá-los efetivamente.

Até o momento o Brasil tem um quadro de exportações mais diversificado (ainda que excessivamente concentrado em commodities primárias) do que o típico país dependente das exportações de minérios e petróleo que costuma sofrer da "maldição dos recursos".

Uma questão em aberto é se o marco institucional brasileiro está suficientemente consolidado para enfrentar o esperado agravamento dos incentivos perversos de economia política que irão acompanhar o aumento expressivo de exportação do petróleo e gás dos depósitos do pré-sal.

Muitas das mudanças recentes do marco legislativo de exploração de petróleo e gás no Brasil após o descobrimento do pré-sal visam ampliar o controle estatal nesse setor estratégico.

No entanto para alguns essas medidas também reduzem a transparência e accountability que vinham caracterizando o marco de governabilidade do setor extrativo no Brasil. 

Essa tendência pode ser um sinal de que os tais incentivos perversos da exploração de recursos naturais abundantes já começam a se fazer sentir com mais força.

A participação do Brasil em mecanismos globais como o EITI poderia servir para garantir que os padrões de transparência e participação no setor extrativo já conquistados pelo Brasil não sofram um grave retrocesso, e para facilitar uma plataforma para a discussão desses assuntos sob a luz da experiência de outros países que passam por desafios semelhantes.

No âmbito sub-nacional, estados como o Rio de Janeiro (que produz mais de 80% do petróleo brasileiro), cujos orçamentos estaduais dependem basicamente de rendas de recursos naturais, poderiam também se beneficiar ao adaptar padrões e mecanismos globais de boa governabilidade para o contexto institucional local, para lidar com a ameaça de "maldição dos recursos" no âmbito estadual.

No Peru e na Austrália já existem pilotos de EITI aplicados a estados e sub-regiões dependentes da renda dos recursos naturais.

IETS: E no âmbito internacional, como o Brasil está se posicionando?
Patrícia Galvão: A discussão sobre padrões globais de governabilidade no setor extrativo nacional também é relevante para a política externa brasileira. 

É inegável a crescente presença política e econômica do Brasil em países menos desenvolvidos, em especial na América Latina e África.

Cada vez mais empresas extrativas brasileiras como a Petrobras e a Vale estão atuando em países ricos em recursos naturais, porém pobres em governabilidade.

À medida que essa presença aumenta, aumentarão inevitavelmente as chances de conflitos de interesses entre o Brasil e seus parceiros menos desenvolvidos. 

Por exemplo, o que acontece se o BNDES apoiar com somas significativas de financiamento público um projeto da Vale em Moçambique, projeto esse que venha a ser inviabilizado por corrupção e ineficiência crônicos em virtude da ausência de um sistema de governabilidade mínimo nesse país?  

Essas são questões que há muito desafiam os países mais desenvolvidos e que influenciaram e influenciam as discussões do sobre padrões globais para o setor extrativo. 

Mais cedo ou mais tarde o Brasil terá que se posicionar mais claramente sobre a sua posição em relação a esses nascentes padrões globais.  

O Brasil deveria se aliar aos países ocidentais desenvolvidos nos esforços de criar regras globais para tentar influenciar a gestão nacional de recursos naturais em países menos desenvolvidos? 

Ou deveria seguir a posição de Beijing que privilegia a não-interferência nos sistemas nacionais? 

Até o momento o Brasil tem se aproximado mais de Beijing do que de Washington e de Bruxelas. 

O Brasil tem se recusado, por exemplo, a participar de iniciativas como o EITI, que promovem maior transparência e governabilidade no setor extrativo. 

Até agora o Brasil também não esboçou a intenção de acompanhar a tendência dos países mais desenvolvidos de criar regras extraterritoriais para compelir as empresas extrativas listadas em suas bolsas de valores a divulgar quanto veem pagando aos governos de países ricos em recursos naturais, porém pobres em governabilidade.

No momento não existe uma discussão aprofundada no Brasil sobre qual deveria ser o papel do país em relação ao problema da maldição dos recursos que aflige inúmeros países parceiros. 

Há consenso entre pesquisadores, no entanto, de que a ausência das economias emergentes como o Brasil enfraquece esses sistemas globais nascentes, especialmente quando a presença dos emergentes no setor extrativo em países pobres está ganhando cada vez mais espaço frente à presença de países desenvolvidos. 

Essa realidade traz uma urgência ainda maior a essa discussão.


FONTE:         

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