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segunda-feira, fevereiro 08, 2016

A quadrilha do petrolão é uma só?

Segunda-feira, 08/02/2016, às 06:00,


Por Helio Gurovitz



O processo do mensalão representou um marco do combate à corrupção no Brasil. 

Pela primeira vez, figuras da cúpula do partido no poder foram parar na cadeia por crimes de corrupção. 

Não há, em termos simbólicos, paralelo na história do país – exceto a Operação Lava Jato, que, pela primeira vez, levou empresários bilionários à cadeia por pagar propina a corruptos.

A simetria entre mensalão e petrolão vai além dos personagens comuns e da sequência comprovada, em que um subsitui o outro no financiamento do projeto petista de poder. 


O mensalão também inspirou a força-tarefa da Lava Jato num dos requisitos essenciais para a caça e a perseguição a corruptos e corruptores – a construção de uma narrativa sedutora, uma história capaz de convencer e engajar o público.

Relator do processo do mensalão, o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa – cuja origem também está no Ministério Público – desenvolveu uma forma clara, didática e persuasiva de narrar os crimes, de modo a levar os réus à condenação. 


Dividiu os acusados em núcleos – operacional, empresarial e político – e demonstrou, com base em provas robustas, o caminho do dinheiro dos contratos de publicidade fraudados até o bolso de deputados e políticos.

De tão boa, a história contada por Barbosa parecia uma novela de Walcyr Carrasco. 


Sem ela, a quadrilha do mensalão – defendida se não pelos melhores, com certeza pelos mais bem remunerados advogados do Brasil – poderia ter ficado impune. 

O talento narrativo dele inspirou a força-tarefa de procuradores da Lava Jato a também construir uma narrativa sedutora para explicar o petrolão. 

Mas a novela contada por eles é mais intrincada, tem mais personagens acessórios e vários pontos obscuros, alguns dos quais tentarei examinar neste Carnaval.

Há quase 500 pessoas sob investigação, algo como 150 inquéritos em andamento, cerca de 170 réus, mais de 35 condenações e mais de 119 prisões já realizadas (119 foi o número divulgado no final do ano passado, antes das ações policiais de janeiro). 


Para contar essas histórias de uma forma compreensível, os procuradores usaram a mesma estratégia folhetinesca de Barbosa. 

Dividiram os acusados em núcleos, desta vez quatro: empreiteiras, funcionários da Petrobras, operadores financeiros e agentes políticos. 

Reunidos, esses quatro núcleos formaram, segundo as denúncias, uma quadrilha para fraudar licitações e desviar dinheiro da Petrobras para fins espúrios.

É verdade que a divisão facilita a narrativa dos crimes. 


Mas ela tem contribuído para obscurecer um ponto central que distingue o petrolão do mensalão. 

No mensalão, o núcleo empresarial consistia nos bancos e nas agências de publicidade, de onde o dinheiro saía diretamente para as propinas, sem nenhum tipo de contrapartida. 

No petrolão, o núcleo empresarial se desdobra em dois. 

O dinheiro saía da Petrobras e tinha de passar pelas empreiteiras, para daí ser destinado às propinas. 

Cartelizadas, elas só pagavam em troca de contratos de obras, que depois tinham de realizar, de acordo com as especificações da Petrobras. 

É isso que transforma o petrolão num imbróglio mais complexo.

Desde o início, a reunião na mesma quadrilha dos executivos das empreiteiras – como Marcelo Odebrecht, Ricardo Pessoa, Léo Pinheiro, João Auler, Dalton Avancini, Otávio Azevedo, Sérgio Mendes ou Gerson Almada – e da Petrobras – como Paulo Roberto Costa, Renato Duque, Nestor Cerveró e Pedro Barusco – tem gerado confusão. 


Ambos os grupos contêm criminosos, tanto que muitos até já confessaram seus crimes. 

Mas há uma diferença importante a separá-los. 

O primeiro pratica corrupção ativa (paga a propina); o segundo, corrupção passiva (recebe).

Trata-se de uma distinção essencial para esclarecer um ponto até hoje obscuro na Lava Jato: o dinheiro das propinas, afinal, saiu do lucro da Petrobras, do lucro das empreiteiras ou de ambos – e nesse último caso, quanto de cada? 


Na narrativa do Ministério Público, a questão é respondida de maneira peremptória: todo o dinheiro foi desviado da Petrobras, considerada vítima da corrupção praticada pelo grupo de diretores no poder, em conluio com as empreiteiras. 

Todo o valor pago aos políticos e aos funcionários da Petrobras foi, de acordo com essa versão, resultado de superfaturamento nos contratos, estimado em 3% do valor total.

A prática de superfaturamento na Petrobras é incontestável. 


Um dos casos mais eloquentes foi a Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, onde apenas um contrato custou R$ 648 milhões a mais que o orçado, com um sobrepreço de 16%, de acordo com uma reportagem do Jornal Nacional

A própria Petrobras julgou em auditoria que Paulo Roberto foi responsável por mudanças no projeto que elevaram o custo da obra para US$ 19 bilhões (de um valor inicialmente estimado em US$ 2,4 bilhões, em 2005).

Num depoimento prestado há um ano à força-tarefa da Lava Jato, o ex-gerente jurídico Fernando de Castro Sá afirmou que Renato Duque alterou padrões de licitação em vigor desde 1999 para favorecer as empreiteiras do cartel. 


Entre as alterações, disse ele, surgiram aditivos para contratos que já haviam expirados, pedidos ao Jurídico para aprovar aditivos em Abreu e Lima que já haviam sido assinados e coisas do tipo. 

“A partir do cartel, a minuta que tinha de ser elaborada pelo Jurídico e aprovada pela diretoria passou a ter o crivo da Abemi, a associação das empreiteiras”, afirmou. 

Sá contou que tentou denunciar as irregularidades, mas acabou sofrendo perseguição e foi encostado na Petrobras.

Em vez de fazer uma auditoria em cada contrato e avaliar com precisão o valor desviado, a Petrobras preferiu estimar o valor com base no percentual declarado pelos ex-executivos que se tornaram delatores da Lava Jato, 3%. 


Com base nesse cálculo, estimou seus prejuízos com propinas em R$ 6,2 bilhões, valor declarado em seu balanço de 2014 – embora a Polícia Federal tenha feito um relatório em que estima esse valor em até R$ 42 bilhões. 

Para a Petrobras, reconhecer o prejuízo era uma forma de colocar a empresa no papel de vítima dos corruptos.

Só que essa versão – que atribui todo prejuízo e o papel de vítima à Petrobras – é contestada por vários outros delatores. 


O executivo Augusto Mendonça, presidente da Setal Engenharia, afirmou que as obras não eram superfaturadas, pois havia um controle rígido da Petrobras sobre os orçamentos, que não podiam ultrapassar limites legais. 

“A gente imaginar que tem obra superfaturada dentro da Petrobras? 

Não existe essa situação”, afirmou à CPI da Petrobras. 

“É muito difícil que a Petrobras consiga fazer um erro que possa permitir um superfaturamento. 

O pagamento das comissões saía da margem (de lucro) das empresas. 

Isso é fato. 

Ninguém tinha oportunidade de aumentar o seu preço para poder pagar comissão.”

O próprio Paulo Roberto afirmou em depoimento à CPI e na sua defesa prévia que, ao contrário do que dizia a denúncia do Ministério Público Federal (MPF),  “o  processo licitatório era  seguido nos termos  da Lei 8.666”, a Lei das Licitações. 


De acordo com ele, em todos os cálculos do MPF apresentados para os contratos em obras da Refinaria Abreu e Lima e da Refinaria Getúlio Vargas, no Paraná, o preço pago ficou dentro da margem esperada para as construções. 

Nesses casos, deduz-se de seu depoimento, a propina saiu da margem de lucro das empreiteiras.

“O processo interno da Petrobras sempre foi muito rígido, e seu quadro de funcionário, sempre foi muito bem qualificado e com experiência”, afirma sua defesa. 


“As normas da Petrobras eram seguidas à risca. 

O processo passava pelo Jurídico e somente seguia para a Diretoria Executiva depois de aprovado pelo órgão jurídico.” 

Mesmo Pedro Barusco, o ex-gerente que atribuiu a cartéis externos os casos de corrupção, elogiou a governança da estatal na CPI da Petrobras. 

“O problema não está localizado nas comissões de licitação”, afirmou. 

Não era simples, de acordo com ambos, elevar o custo de um contrato apenas para extrair mais dinheiro para propinas.

Não há dúvida, portanto, de que havia dois grupos de criminosos extraindo dinheiro de contratos na Petrobras. 


Mas, ao que tudo indica, não eram grupos coesos que formassem uma quadrilha única. 

Tinham uma ação concomitante – mas não necessariamente conjunta. 

Havia entre os dois a tensão natural que sempre existe entre aqueles que pagam e os que recebem.

O primeiro grupo, formado pelas empreiteiras, se reunia com regularidade para analisar os contratos, formar os consórcios que se encarregariam das obras mais atraentes e dividir a responsabilidade pelo pagamento das propinas. 


Era mesmo um cartel, como relataram os delatores Júlio Camargo, Ricardo Pessôa e Dalton Avancini. 

“Sempre houve propina”, disse Pessôa em depoimento ao juiz Sérgio Moro. 

“Não me lembro de ter recusado, talvez diminuído ou reduzido o valor.” 

Ao responder por que pagava as propinas, Pessôa foi eloquente:

– Fomos cobrados politicamente. 


Para você continuar mantendo a sua possibilidade de não ter que pedir para ser convidado (para as licitações). 

Para ter uma boa vontade com relação ao dia dia do seu contrato, os aditivos necessários precisariam ser aprovados no âmbito da diretoria. 

Isso tudo, se não tivesse um bom andamento, nos causaria um prejuízo muito grande. 

Ficou mais fácil pagar, isso passa a ser de certa forma automático. 

Vai considerando isso uma coisa normal.

O segundo grupo, formado pelos funcionários corruptos e pelos políticos que os indicavam, cuidava de estabelecer os preços e distribuir as obras de acordo com o que o cartel havia combinado. 


Como a Petrobras era a única compradora naquele mercado – figura conhecida pelos economistas como monopsônio –, podia apresentar os preços que quisesse. 

Mas isso não quer dizer, como afirmou a defesa de Sérgio Mendes, que os empreiteiros eram simplesmente extorquidos. 

Era preciso, pelo menos na aparência, seguir o processo burocrático e detalhista de licitação na Petrobras.

As empreiteiras eram cúmplices, numa relação em que a Petrobras não era apenas vítima (por sinal, nos processos movidos por acionistas nos Estados Unidos em virtude do petrolão, ela aparece como ré). 


Apenas uma análise técnica, contrato a contrato, a respeito de superfaturamento e da origem das propinas poderia esclarecer a parcela de responsabilidade de cada um. 

Claro que ninguém é inocente nesta história. 

Mas é preciso condenar cada quadrilha apenas pelos crimes que cometeu – e não apresentar como vítima uma empresa que pelo visto tem tanta responsabilidade no petrolão quanto qualquer uma das empreiteiras: a própria Petrobras.


Helio Gurovitz, é jornalista e foi Diretor da Revista Época.

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