Quinze quilômetros do Centro de São Fidélis, no Norte Fluminense.
Entre o canavial e a fazenda explorados por Paulo Cesar Azevedo Girão, uma construção esconde um pequeno cômodo sem janelas e com telha de amianto.
Do lado de fora da porta, um cadeado.
Dentro, o cheiro forte de mofo.
A alguns passos, um chiqueiro.
Em frente ao quarto, Manoel Pereira Ferreira, de 75 anos — os últimos 30 dedicados à família Girão — segura seu bastão.
Quase faz parte do cenário, como uma sombra dos anos em que ele e outros roceiros eram mantidos em cativeiro e tinham sua mão de obra explorada em condição que seria análoga à de escravo.
Três foram libertados no último dia 26 de abril.
A polícia agora apura a morte de pelo menos outros dois em 13 anos.
Preso, o fazendeiro nega as acusações.
Manoel chegou às terras de Paulo Girão aos 45 anos e passou a trabalhar de sol a sol no canavial e na fazenda.
Em três décadas, nunca recebeu um centavo.
Perdeu os laços com os três filhos.
A boca quase não tem dentes.
Aos 69 anos, perdeu também a visão.
Dois anos depois, parou de trabalhar, mas continua rendendo benefícios à fazenda: é o capataz do fazendeiro que recebe a pequena aposentadoria de Manoel.
A exploração da mão de obra do canavieiro é considerada, pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Civil, situação análoga à escravidão.
Para ele, é a única vida que conhece.
— Quando eu trabalhava, também não recebia.
Só a comida só.
Também não botei questão pra ninguém.
Ele (Paulo Girão) me ajudou, me colocou no carro para operar a vista.
Me davam o quarto pra dormir.
Não faço questão de salário.
Só saio daqui morto.
Eu gosto deles.
Me dão arroz, feijão, canjica e até carne.
Segundo o Código Penal, o crime (de redução à condição análoga à de escravo), entretanto, independe da consciência da vítima.
— O sucesso do trabalho escravo depende de o trabalhador não ter a noção da escravização.
O trabalhador pode ser convencido de que está recebendo um ato generoso e bondoso — explica Ricardo Rezende, coordenador do Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo (GPTEC) da UFRJ.
Presos em flagrante com versões contraditórias
Presos em flagrante, o fazendeiro Paulo Girão, seu filho Marcelo Conceição Azevedo Girão, de 32 anos, e Roberto Melo de Araújo, o encarregado, de 38, se contradisseram nos depoimentos à polícia.
Paulo negou que os três trabalhadores libertados e Roberto Melo trabalhassem para ele.
Já o capataz admitiu que era funcionário de Paulo Girão, assim como os três canavieiros.
Contou que recebia R$ 500 por semana, mas nunca viu qualquer pagamento para os outros.
Segundo o depoimento, de segunda a sexta-feira, o capataz levava o trio para o local de trabalho em terras de terceiros, e retornavam depois de oito horas de serviço.
Tudo sempre a mando de Girão. Segundo os trabalhadores, Marcelo por vezes ocupava o papel do pai.
Carlos Eduardo Mota Ferraz, advogado de Girão, afirmou que não havia vínculo empregatício entre os canavieiros e seu cliente.
Ele alegou que o contrato dos funcionários era eventual e o pagamento, por diária.
Sobre as mortes na fazenda, disse que não foi informado oficialmente e, por isso, não comentaria.
O capataz afirmou que nenhum deles tinha carteira de trabalho assinada, férias ou qualquer benefício.
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